domingo, 31 de julho de 2011

Blaise Pascal (Biografia V)

Revista Ultimato, edição 330 - Maio/Junho
Matéria de Capa - Fé, razão, pecado e redenção no pensamento de Blaise Pascal
Revista Ultimato

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 23)

VIDA
Nascido em Clermont-Ferrand, na região central da França, em 19 de junho de 1628 e órfão de mãe aos 3 anos, Blaise Pascal era, a princípio, um notável matemático e físico. Seu primeiro livro científico foi escrito em 1640, quando ele tinha 17 anos (“Ensaio Sobre os Cones”). Deve-se a ele a chamada Lei de Pascal, a teoria das probabilidades, a invenção de uma máquina capaz de fazer as quatro operações (a Pascalina) e do carrinho de mão de uma roda só. A linguagem de programação Pascal, publicada em 1970, e usada até hoje, recebeu esse nome em homenagem ao matemático, mesmo não sendo desenvolvida por ele. Com a sua conversão a Cristo em 1654, aos 31 anos de idade, pouco depois de um acidente de carruagem em uma das pontes de Paris, Pascal tornou-se uma testemunha laica proeminente do cristianismo, mais ligado a Cristo do que à tradição e à própria igreja. Dentre as muitas declarações sobre Jesus, a mais enfática talvez seja: “Sem Jesus Cristo, o homem permanece no vício e na miséria. Com Jesus Cristo, o homem está imune ao vício e à miséria”.

Pascal conheceu o evangelho por influência do jansenismo: um movimento dentro da igreja, fundado pelo bispo holandês Cornelius Jansen (1585–1638), que preconizava uma reforma católica com base na igreja primitiva e uma espiritualidade interior. No caso dele, a conversão se deu em uma data precisa (23 de novembro de 1654, numa segunda-feira à noite, “das dez e meia da noite, mais ou menos, até cerca de meia-noite e meia”) e em um lugar determinado (em seu quarto, enquanto lia a sós a oração sacerdotal de Jesus, em João 17). Na mesma ocasião, ele registrou essa experiência em um pedaço de pergaminho. Como esse escrito estava costurado no forro do seu casaco, quando morreu, oito anos depois, supõe-se que Pascal o tenha carregado na roupa o tempo todo.

Depois de sua conversão, o ainda jovem matemático (31 anos) dedicou-se devotamente ao Senhor, sem colocar a ciência de lado (três anos depois, ele compôs “Elementos da Geometria”). Percebe-se a sua verdadeira espiritualidade, por exemplo, no título dado a um dos seus textos religiosos: “Oração para pedir a Deus a graça de fazer bom uso das enfermidades e outras obras”. Ele mesmo não tinha saúde e morreu cedo de um tumor maligno primeiramente no estômago e depois no cérebro, em 19 de agosto de 1662, um mês antes de completar 39 anos. Ele dizia que “nós podemos tudo com Aquele sem o qual não podemos nada”.

Pascal tinha 23 anos quando o também matemático e filósofo René Descartes morreu (1650). Por ter dado muito espaço para a razão e para a ciência e pouco espaço para a fé e para Deus, Descartes não gozava da admiração de Pascal. Em um dos seus pensamentos, Pascal diz que “não vale a pena perder tempo com a filosofia de Descartes”. Pascal, por sua vez, valoriza a razão sem desvalorizar a fé.

O livro “Pensamentos”, de Pascal, foi escrito com o propósito de persuadir os céticos, numa época em que predominavam o racionalismo de Descartes (1596–1650), o reducionismo de Montaigne (1533–1592) e o ceticismo do ex-monge italiano Lucilio Vanini (1585–1619). Ao surgir uma idéia, Pascal a anotava em qualquer pedaço de papel, deixando para colocar em ordem os escritos quando tivesse tempo. Entretanto, isso foi feito depois de sua morte, por familiares e amigos. O livro, obra prima da literatura francesa, tem também outro título: “Apologia da Religião Cristã”. O que ele fez no século 17 pode ser feito no século 21!

PENSAMENTOS
Segue alguns pensamentos de Pascal que mostram a mente de um cristão, um pensador que está consciente e conscienciosamente tentando explicar a si mesmo a seqüência que culmina na fé.

O homem dividido dentro de si mesmo
• A encarnação de Jesus mostra ao homem a grandeza de sua miséria pela grandeza do remédio que ele precisa.
• Poucos falam humildemente sobre humildade. Poucos falam castamente sobre castidade. Somos mentirosos, temos duas caras e vivemos sob disfarces na tentativa de ocultar dos outros o que realmente somos. Sem a graça de Deus o homem não é senão um sujeito cheio de erros inapagáveis.
Nós não somos senão mentiras, duplicidades, contrariedades. Nós nos escondemos e nos destruímos a nós mesmos.

O homem enjoa de tudo porque a felicidade não está nas coisas exteriores
• Trabalhamos incessantemente para embelezar e conservar nosso ser imaginário, negligenciando o verdadeiro.
• É perigoso conhecer Deus sem conhecer a própria miséria e conhecer a própria miséria sem conhecer Deus.
• Afastemos a impiedade e a alegria ficará sem mancha.

A morte é o começo da beatitude do corpo
• Enfrentemos a morte com Jesus Cristo e não sem Jesus Cristo. Sem Jesus Cristo a morte é terrível, detestável e o horror da natureza. Em Jesus Cristo, a morte é toda outra, toda amável, toda santa e a alegria do crente. Tudo é doce em Jesus Cristo, até a morte e isso porque ele sofreu e foi morto para santificar a morte e o seu sofrimento.
• Os crentes que morreram na graça de Deus não cessaram de viver, como a natureza sugere. Ao contrário, eles começaram a viver, como a verdade assegura. Suas almas não estão perdidas, nem reduzidas a nada, mas vivificadas e unidas no soberano viver.

Dor e consolação em conjunto
• Tu não és menos Deus quando estás me afligindo e punindo do que quando estás me consolando e mostrando compaixão por mim.
• Ó Senhor, tira de mim aquela autopiedade que o amor próprio tão prontamente produz e a frustração de não ser bem sucedido no mundo como eu naturalmente desejaria, pois esse sucesso não tem consideração por tua glória.
• Não oro por saúde ou doença, vida ou morte, mas oro para que a tua vontade use a minha saúde, a minha enfermidade, a minha vida e a minha morte para a tua glória, para a minha salvação, para o benefício de tua Igreja e dos santos.

Jesus Cristo é o centro para onde tudo converge
• Sem Jesus, qualquer comunicação entre Deus e o homem é impossível.
• Jesus Cristo é o objeto de tudo e o centro para onde tudo converge. Quem o conhece sabe a razão de todas as coisas.
• Não só conhecemos Deus apenas por Jesus Cristo, mas ainda nos conhecemos apenas por Jesus Cristo. Só conhecemos a vida e a morte apenas por Jesus Cristo. Fora de Jesus Cristo não sabemos o que é a nossa vida, nem a nossa morte, nem Deus, nem nós mesmos.
• Jesus Cristo não é simplesmente Deus, mas um Deus reparador das nossas misérias.
• Jesus veio dizer aos homens que eles não têm outros inimigos senão eles mesmos.
• Todos que procuram Deus fora de Jesus Cristo caem no ateísmo ou no deísmo, duas coisas que a religião cristã abomina quase de igual forma.
• O conhecimento de Deus sem o da própria miséria produz orgulho. O conhecimento da própria miséria sem o de Deus produz desespero. O conhecimento de Jesus Cristo gera o meio-termo, pois nele encontramos Deus e nossa miséria.

O cristianismo tem algo de espantoso
• O cristianismo é estranho. Ordena ao homem que reconheça o quanto é vil e abominável e, ao mesmo tempo, gera nele o desejo de ser semelhante a Deus.
• Salvo o cristianismo, nenhuma religião ensina que o homem nasce em pecado. Nenhuma escola filosófica o afirma. Nenhuma, pois, diz a verdade.
• Toda religião que não reconhecer agora Jesus Cristo é notoriamente falsa e os milagres que ela faz não podem servir para nada.
• O cristianismo consiste propriamente no mistério do Redentor, que reuniu em si as duas naturezas, a divina e a humana, e tirou os homens da corrupção dos pecados para reconciliá-los com Deus em sua pessoa divina.

Excluir a razão e não admitir senão a razão são dois extremos a evitar
• O coração tem razões que a razão desconhece. Sente-se isso em mil coisas. É o coração que sente Deus e não a razão. Eis o que é a fé: Deus sensível ao coração e não à razão. A religião não é absolutamente contrária à razão.
• Submissão e uso da razão -- eis em que consiste o verdadeiro cristianismo. O último passo da razão é reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a supera. Se a razão não reconhece isso, ela é fraca. Se as coisas naturais a superam, o que se dirá das sobrenaturais?
• Não tire de seu aprendizado a conclusão de que você sabe tudo, mas sim a certeza de que ainda resta muito a saber.
• É uma estranha inversão a sensibilidade do homem às pequenas coisas e a insensibilidade dele às grandes coisas.

Obs: O texto foi extraído da revista Ultimato, edição 330 - Maio/Junho. A matéria de capa desta edição foi sobre Pascal "Fé, razão, pecado e redenção no pensamento de Blaise Pascal".
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domingo, 24 de julho de 2011

SOLUCIONANDO CONFLITOS

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 22)


TEXTO BASE: Atos 15:1-16:5

Conflitos entre os cristãos é uma das coisas mais difíceis que enfrentamos. A opinião de algumas pessoas a respeito do Cristianismo foi drasticamente afetada como resultado de divisões na Igreja ou por causa de amigos cristãos que não se falam.
Felizmente a Bíblia não se cala a respeito de conflitos. Ela ensina muito sobre como lidar com conflitos e diferenças de idéias de modo peidoso. Atos 15 é uma dessas passagens. A questão vital de como crentes gentios seriam recebidos na comunidade cristã começou a surgir na mente dos cristãos judeus. Essa questão, se desprezada, poderia ter dividido a Igreja. Há muitas discussões como essa nos dias de hoje, e o concílio de Jerusalém apresenta excelente modelo para resolver nossas diferenças.

“Cremos que somos salvos pela graça de nosso Senhor Jesus".
Atos 15:11

A aula foi extraída do guia de estudos bíblicos: O Espírito em ação – John Stott, Editora Cultura Cristã

domingo, 17 de julho de 2011

DIVULGANDO A PALAVRA

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 22)

TEXTO BASE: Atos 13:1-14:28

A primeira viagem missionária foi ao mesmo tempo inspiradora e aterrorizante. Uma bênção e uma provação. Quando Paulo e Barnabé voltaram de sua jornada, relaram com entusiasmo tudo que havia acontecido. Deus havia feito coisas tremendas: muitos haviam se tornado cristãos, igrejas se estabelecido, presbíteros designados, a mensagem confirmada por milagres e a Palavra de Deus espalhada. Eles também relataram a oposição feita pelos líderes religiosos, a expulsão de cidades e os apedrejamentos, às vezes quase fatais. Mas através disso tudo eles sabiam que não seriam parados porque o Espírito Santo os enviara e estava com eles.

A aula foi extraída do guia de estudos bíblicos: O Espírito em ação – John Stott, Editora Cultura Cristã

domingo, 10 de julho de 2011

Reforma Protestante (História da Igreja VI)

Por Pedro Paulo Valente

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 20)

TEXTO BASE: Efésios 2:1-10

INTRODUÇÃO
Um mundo em mudanças, assim foi o ambiente do século XVI, o qual propiciou a reforma da Igreja Ocidental, que já havia sido ensaiada por reformadores sinceros como Wycliffe e Huss, místicos, concílios reformadores e humanistas. Um período marcado pelo otimismo nas mudanças e no rompimento com a velha forma de viver, um período no qual o Cristianismo passou por grandes mudanças.

CONTEXTO
A insatisfação com a Igreja Católica Romana crescia devido o desenvolvimento de um papado corrupto e extravagante, com cobrança abusiva de impostos dos Estados nacionais que começavam a surgir, um culto que se tornara muito formalistas, no qual não se compreendia, de fato, a graça de Deus, sendo uma época marcada pelo medo do castigo divino e do inferno, venda de indulgências e relicários, simonia, entre outros equívocos.

Além dos desvios da Igreja no Ocidente, a Europa passava por uma reorientação cultural em que os homens trocaram a compreensão corporativa, religiosa e medieval da vida por uma visão individualista, secular e moderna. A concepção teocêntrica medieval do mundo, em que Deus era a medida de todas as coisas, foi substituída por uma interpretação antropocêntrica da vida, em que o homem se tornara a medida de todas as coisas. As classes médias se tornaram mais importantes do que a velha sociedade agrária rural do período feudal. O comércio passou a ter mais importância do que a agricultura como meio de subsistência. Adotou-se uma forma humanista, otimista e experimental de ver as coisas desta vida.

Também houve mudanças geográficas. A América acabara de ser descoberta por Colombo, e em meio à era das grandes navegações, os mares do mundo tornaram-se como estradas, abrindo os continentes para a exploração e colonização pelo Velho Mundo.

E por fim, a invenção da imprensa por Gutenberg (1398-1468), teve um papel fundamental no desenvolvimento da renascença, reforma e na revolução científica, lançando as bases materiais para a moderna economia baseada no conhecimento e a disseminação da aprendizagem em massa.

A RAZÃO DA REFORMA
Os reformadores buscavam uma volta da Igreja aos ensinos bíblicos, ao modelo de vida da igreja primitiva, descentralizado o poder das mãos de uma liderança eclesiástica corrupta e distante dos leigos, para uma experiência de fé pessoal e comunitária acessível a todos. Porém as idéias dos reformadores não foram bem aceitas pela Igreja Romana, excomungando e condenando o ensino daqueles que protestavam.

Os reformadores protestantes estabeleceram o que seria conhecido como as “cinco solas” (sola é a palavra latina para única) da Reforma. Estes cinco pontos da doutrina formam o coração da Reforma Protestante. São eles:

1. Sola Scriptura – somente a Bíblia.
Afirma que somente a Bíblia é a única autoridade para todos os assuntos de fé e prática. A Bíblia é o fundamento da fé cristã. Ela é a revelação de Deus para a humanidade e digna de toda aceitação, ela é como uma lâmpada que ilumina os nossos passos e luz que clareia os nossos caminhos (II Tm 3:17, Sl 119).

Quando foi pedido que Lutero se retratasse, ele disse: “A menos que eu seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou pelo mais claro raciocínio; a menos que eu seja persuadido por meio das passagens que citei; a menos que assim submetam minha consciência pela Palavra de Deus, não posso retratar-me e não me retratarei, pois é perigoso a um cristão falar contra a consciência. Aqui permaneço, não posso fazer outra coisa; Deus me ajude. Amém”.

2. Solus Christus – somente Cristo.
Afirma que a salvação é encontrada somente em Cristo e que unicamente Sua vida sem pecado e expiação substitutiva são suficiente para nossa justificação e reconciliação com Deus o Pai.

Falando de Cristo a Bíblia afirma que “não há salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos” (At 4:12). Ele mesmo disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim” (Jo 14:6). Daí a afirmação dos teólogos reformados, “pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus” (1 Tm 2:5).

3. Sola Gratia – somente a graça.
Afirma que a salvação é pela graça de Deus apenas, e que nós somos resgatados de Sua ira apenas por Sua graça. A graça de Deus em Cristo não é meramente necessária, mas é a única causa eficiente da salvação. 

A Bíblia diz: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus;não por obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2:8-9). O homem e a mulher são aceitos por Deus sem méritos próprios. Tudo que recebemos de Deus é por seu favor, não por nossa bondade. “Todos os nossos atos de justiça são como trapo imundo” (Is 64:6). Como pecadores não podemos nos redimir diante de Deus, mas podemos receber o seu perdão por causa de sua graça estendida a nós em Jesus.

4. Sola Fide – somente a fé.
Afirma que a justificação é pela graça somente, através da fé somente, por causa somente de Cristo. É pela fé em Cristo que Sua justiça é imputada a nós como a única satisfação possível da perfeita justiça de Deus. Devemos tudo a Deus!

A Bíblia diz: “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5:1). O texto bíblico que revolucionou a vida de Lutero diz: “O justo viverá pela fé” (Rm 1:17). “Sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11:6).

5. Soli Deo Gloria – somente a glória de Deus.
Afirma que a salvação é de Deus, e foi alcançada por Deus apenas para Sua glória.

A Bíblia diz: “Eu sou o Senhor; este é o meu nome. Não darei a outro a minha glória nem a imagens o meu louvor” (Is 42:8). Fomos redimidos em Cristo para o louvor da sua glória (Ef 1:12). “Façam tudo para a glória de Deus” (1Co 10:31).

LUTERO E A REFORMA NA ALEMANHA
Contrariando o desejo de seu pai, o alemão Martinho Lutero (1483-1546) e futuro reformador deixou a faculdade de Direito e ingressou em um mosteiro agostiniano em 1505, com a idade de 22 anos. Ele sofria um desespero espiritual agudo, marcado pelo medo do inferno e do juízo de Deus, fomentado pela noção equivocada de que o homem precisa ser ativo na sua salvação, cumprindo boas obras. Obviamente, o sofrimento é decorrente da constatação da nossa incapacidade de agirmos conforme a vontade de Deus. Foi o seu superior no convento, Johann von Staupitz, quem lhe aconselhou a estudar mais a Bíblia e a não passar excessivas horas em penitência frenética. Em 1507, Lutero ordenou-se padre e, no ano seguinte, começou a ensinar teologia na Universidade de Wittenberg, onde também conseguiria o doutorado anos mais tarde.

Nos anos precedentes à publicação das 95 teses, Lutero se dedicou a ensinar os livros da Bíblia no vernáculo, porque até então eles só eram ensinados em Latim e, para tal, começou a estudar as línguas originais das Escrituras. Assim, com esse encontro com a desconhecida Palavra de Deus, foi desenvolvendo a idéia de que a maior autoridade da fé estava naquelas letras, Sola Scriptura. Entre 1515 e 1517, lecionou sobre Romanos, Gálatas e Hebreus e foi lendo o verso dezessete do primeiro capítulo de Romanos que ele descobriu o alívio para suas crises espirituais, o verso que lhe causou mais impacto gerando uma verdadeira mudança de pensamento: 'o justo viverá pela fé' independentemente das boas obras. Isso ocorreu depois da sua decepcionante estadia em Roma, aonde a ordem o havia enviado a negócios. Na sede da Igreja, ele pôde perceber um pouco de sua corrupção moral e doutrinária e a luxúria do sacerdócio; essa percepção o levou a compreender a necessidade de uma reforma eclesiástica.

Por isso, quando, em 1517, o dominicano Tetzel, a fim de arrecadar recursos para a reforma da catedral de São Pedro em Roma, começou a venda de indulgências próximo a Wittenberg, Lutero reagiu vorazmente. O protesto do reformador, ao escrever as 95 teses e convocar um debate, não era apenas contra a imoralidade e exploração do vendedor de perdão em relação aos camponeses alemães pobres, ele estava combatendo uma teologia que dava suporte àquela prática.

A recente invenção da imprensa foi fundamental para a divulgação da reforma. Após a publicação das 95 teses, o final inevitável seria a ruptura com Roma, embora Lutero não o imaginasse nem o quisesse em princípio. Na Dieta de Augsburg (1518), Lutero se recusou a se retratar a menos que lhe provassem pelas Escrituras que ele estava errado. No mesmo interrogatório, ele também negou que o papa fosse a autoridade final em questões de fé e moral, e a utilidade dos sacramentos sem fé.

No ano seguinte, Lutero se viu obrigado a reconhecer que seus pensamentos eram muito semelhantes aos de John Hus – condenado havia cem anos pelo Concílio de Constança e queimado vivo. “Eu sou um hussita!” foram as palavras ditas por Lutero que, de fato, selaram a sua ruptura com Roma, pois, dessa maneira, demonstrava o seu repúdio tanto à autoridade dos concílios gerais quanto a do papa. Mas, cabe ressaltar que o reformador não rejeitou a tradição e a história de 1500 anos da Igreja, apenas repudiou a teoria das duas fontes da tradição, isto é, que ao lado da tradição bíblica há uma tradição extra bíblica transmitida oralmente ao longo dos séculos.

A excomunhão de Lutero veio com a bula Exsurge Domine do papa Leão X, em junho de 1520. As publicações do reformador foram queimadas em Colônia, ao passo que ele queimou em público a referida bula papal em dezembro do mesmo ano.

Sem dúvida alguma, Lutero foi um gigante da igreja devido à sua influência tanto sobre épocas posteriores quanto sobre o seu próprio tempo. As igrejas luteranas da Alemanha e dos países escandinavos (Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia) nasceram do seu trabalho. Foi para elas que ele elaborou os Catecismos Maior e Menor; preparou apostilas para ajudar os ministros em seus sermões; desenvolveu um sistema de governo eclesiástico; deu a Bíblia ao povo alemão, que em muito contribui para padronizar a língua, além de compor belos hinos, como “Castelo Forte”.

Além disso, estimulou Filipe Melanchton (1497-1560), um teólogo da Reforma, a criar um sistema universal de educação elementar para que o povo pudesse aprender a ler a Bíblia em Alemão.

Sugestão
Para conhecer mais sobre Martinho Lutero, verifique a aula anterior sobre sua biografia - aqui

ZUÍNGLIO, CALVINO E A REFORMA NA SUÍÇA
A Reforma Protestante na pátria suíça tem dois personagens principais, Zuínglio e Calvino. Zuínglio nasceu em 1484 e, com uma boa formação humanista, tornou-se um sacerdote. Foi por essa influência humanista que o reformador se encontrou com a Bíblia. Com efeito, o encontro com a Palavra de Deus levaria muitos naquela época a questionar os abusos eclesiásticos, tradições anti-bíblicas e o papado. Não tardaria para Zuínglio levantar sua corajosa voz. Ele começou a se opor às indulgências enquanto era pároco da igreja de Einsiedeln, entre os anos 1516 e 1518.

O ensino de Zuínglio, a partir da autoridade exclusiva das Escrituras Sagradas, começou a produzir reformas na igreja local de Zurique, inclusive sobre a liturgia que, começando pela retirada das imagens, passando pela rejeição da doutrina medieval da transubstanciação, culminou com a supressão da missa em 1525. As autoridades católicas evidentemente reagiram convocando o reformador para um debate público em que o lado vencedor seria escolhido pelo conselho da cidade como a forma legítima da religião. Para esse debate, Zuínglio preparou 67 artigos em que defendia, entre outras coisas, a salvação pela fé, a autoridade da Bíblia, a supremacia de Cristo na Igreja, o casamento dos sacerdotes e condenava todas as práticas que não repousassem sobre a Palavra de Deus. É óbvio que os papistas estavam convictos de que venceriam, entretanto, perderam e a reforma da Igreja de Zurique foi legalizada pela autoridade civil. A mesma vitória se repetiu mais tarde nas cidades de Berna e Basiléia.

Zuínglio, aos 47 anos (1531), morreu prematuramente em combate enquanto trabalhava como capelão na guerra entre os cantões protestantes e católicos do território suíço. Mas estava para se levantar outra poderosa voz que naquela terra se tornaria o teólogo da Reforma por excelência: Jean Cauvin (1509-1564), simplesmente, João Calvino. Como um reformador da segunda geração, ele sentia ainda mais a necessidade de sistematizar a teologia reformada, o que fez prodigiosamente trazendo contribuições duradouras para o Corpo de Cristo. Aos 27 anos, ele publicou as Institutas (Instituições da Religião Cristã), uma obra que revisaria durante toda a sua vida e que terminaria sendo uma colossal descrição da fé cristã. As Institutas subdividem-se em quatro livros seguindo a ordem temática do credo apostólico. O primeiro livro trata sobre o Deus criador e sua soberania sobre toda a criação; o segundo, sobre a necessidade de salvação para o homem caído através de Jesus; o terceiro, sobre a maneira por que o homem é redimido; e o quarto livro, sobre a Igreja e seu relacionamento com a sociedade.

O mote cunhado por Calvino “post tenebras lux” (luz após as trevas) ilustra o que a teologia reformada fez naquele contexto em que a Igreja gemia por reformas. Ninguém escreveu mais do que ele naquele período. Além das Institutas, Calvino escreveu vários comentários de livros bíblicos, inúmeros sermões, folhetos e tratados, cartas pastorais e escritos litúrgicos e catequéticos. Era acima de tudo um pastor consciente de que a única forma de recuperar a vida moral e religiosa do povo era instruindo-o na “escola da fé”. Exerceu o seu ministério em Genebra, mas era francês e fora em Paris que aceitara a mensagem evangélica.

Em 1533, no Dia de Todos os Santos, Nicolas Cop, amigo de Calvino e reitor da Universidade de Paris, fez um caloroso discurso que chocou os seus ouvintes, dentre eles também estava o futuro reformador. Cop não louvou os santos, mas proclamou a Jesus Cristo como o único mediador com Deus, um verdadeiro insulto aos defensores da ortodoxia católica. Como estava ligado a Cop, Calvino também teve que fugir às pressas de Paris para salvar a sua vida, indo parar em Basileia. Três anos depois, viajando de Paris para Estraburgo, teve que desviar da rota por causa de manobras militares de exércitos hostis à Reforma e acabou chegando a Genebra, onde pretendia passar apenas uma noite. Aquela cidade havia recentemente abraçado a Reforma e agora recebia aquele que se tornaria o seu maior líder. Ali, Calvino faria os seus famosos sermões e Genebra, sob a sua liderança, tornar-se-ia um refúgio para os perseguidos ao se considerar uma cidade modelo da Reforma.

Curiosidade
A cidade de Genebra havia abraçado a Reforma através do voto unânime de uma assembléia realizada em maio de 1536. Guilherme Farel (1489-1565) era o líder desse movimento reformador na cidade, e sabendo que Calvino estaria em Genebra por uma noite, foi até seu quarto de hotel e lhe implorou que permanecesse na cidade para que o ajudasse a consolidar a Reforma recentemente abraçada. Calvino ficou chocado com a idéia, pois se sentiu despreparado para a tarefa. Ele pensava que poderia fazer mais pela igreja através de seus tranqüilos estudos e escritos. Nesse momento, Farel trovejou a ira de Deus sobre Calvino com palavras que este jamais esqueceria – Deus amaldiçoaria o seu lazer e os seus estudos se em tão grave emergência ele se retirasse, recusando-se a ajudar. A partir daquele momento, o destino de Calvino ficou ligado a Genebra. (Alderi de Souza Matos, historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil)
The wall of the Reformers in Geneva
© Photo Geneva Civil security
Guillaume Farel, Jean Calvin, Theodore de Bère and John Knox (from left to right)

A FÉ REFORMADA FORA DA SUIÇA
Enquanto o luteranismo ganhou terreno entre os escandinavos, o calvinismo fez adeptos durante o século XVI em outras regiões européias, especialmente no vale do Reno na Alemanha, na Hungria, na Morávia, na França, na Holanda, na Escócia, na Irlanda do Norte e, por um breve período, na Polônia.

A fé reformada na França
Embora o impulso para a Reforma francesa de início tenha vindo das idéias dos humanistas bíblicos e de Lutero, a conversão de João Calvino deu à Reforma um escritor capaz de popularizá-la, tanto que em 1532 os valdenses do sul da França aceitaram o calvinismo. Foi a perseguição aos protestantes franceses que levou Calvino a publicar a primeira edição das suas Institutas em 1536; sua intensão era defender os cristãos franceses como pessoas leais e sugerir o fim da perseguição.

A partir de 1560 os protestantes franceses passaram a ser conhecidos como huguenotes, e havia cerca de 400 mil protestantes. Com constantes perseguições, como a terrível carnificina de São Bartolomeu em 1572, na qual milhares de huguenotes foram assassinados, e as constantes intervenções do estado proibindo a fé protestante, o protestantismo reformado não têm exercido grande influencia na França, sendo os huguenotes uma minoria da população.

A fé reformada na Escócia
O primeiro pregador do protestantismo na Escócia foi Patrick Hamilton, um jovem erudito, simpatizante de Lutero, que foi morto na fogueira em 1528. O pioneiro da fé reformada foi George Wishart, um jovem culto que estudou na Suíça e lecionou na Universidade de Cambridge. Condenado por heresia foi igualmente queimado vivo, em 1546. Sua vida, pregação e morte causaram vívida impressão no povo escocês. O líder seguinte foi John Knox, nascido entre 1505 e 1515, que havia sido guarda-costas de Wishart. Depois de passar um ano e meio como escravo em um navio francês, ele fugiu para a Inglaterra, onde se tornou capelão do jovem rei Eduardo VI. No reinado sangrento de Maria Tudor (1553-1558), foi para o continente e passou três anos em Genebra, onde estudou aos pés de Calvino. Pastoreou uma igreja de refugiados de língua inglesa e retornou à Escócia em 1559, tornando-se o líder da Reforma em seu país. Naqueles dias conturbados, ele clamou: “Ó Deus, dá-me a Escócia ou morrerei!” 

Em agosto de 1560, sob a liderança de Knox, o Parlamento renunciou ao catolicismo e adotou a fé reformada para a Escócia. Em poucos dias, Knox e outros quatro homens redigiram a Confissão Escocesa, nitidamente calvinista, que foi prontamente adotada pelo Parlamento. Em dezembro reuniu-se a primeira Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana da Escócia, que redigiu o Livro de Disciplina ou constituição da igreja. Compareceram apenas seis pastores e 36 presbíteros. Na época, havia somente doze ministros protestantes em todo o país. No ano seguinte, subiu ao trono a rainha Maria Stuart, que se esforçou por restaurar o catolicismo, no que foi firmemente combatida por Knox. Forçada a abdicar, Maria fugiu para a Inglaterra, onde foi executada muitos anos mais tarde. Knox continuou o seu trabalho de reformador e pregador até a sua morte em 1572. Diante de seu túmulo, um líder declarou: “Aqui jaz alguém que nunca temeu a face do homem”. (Alderi de Souza Matos, historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil).

A fé reformada na Holanda
A fé reformada começou a se fazer sentir em 1523, através de contatos do estudioso holandês Hinne Rode com o reformador suíço Ulrico Zuínglio, e no final da década de 1550, já havia se implantado solidamente, principalmente nas regiões de língua francesa ao sul. Muitos neerlandeses foram influenciados por Calvino em Estrasburgo e Genebra e pelo reformador polonês Jan Laski em Emden e Londres. Em 1561, o belga Guido de Brès escreveu uma confissão de fé “para os fiéis que estão dispersos por todos os Países Baixos”. Esse documento, conhecido como Confissão Belga, foi adotado por um sínodo em Antuérpia, em 1566, vindo a se tornar o principal padrão doutrinário dos calvinistas holandeses. Seu autor foi martirizado em 1567. 

O primeiro sínodo reformado holandês reuniu-se em Turcoing em 1563, mas os dois primeiros sínodos gerais reuniram-se em Wesel (1568) e Emden (1571), ambos fora das fronteiras do país. Este último foi especialmente importante, porque efetivamente uniu todas as congregações em uma Igreja Nacional, adotando três documentos doutrinários: a Confissão Belga, o Catecismo de Genebra (para as igrejas de idioma francês) e o Catecismo de Heidelberg (para as de língua holandesa). Seguindo o modelo francês, havia quatro níveis administrativos: consistórios locais, classes (presbitérios), sínodos regionais e sínodo nacional. 
Guilherme de Orange

O nascimento da Igreja Reformada Holandesa coincidiu com um período de intensas lutas entre os neerlandeses e seu soberano, o rei católico espanhol Filipe II. Este havia declarado que preferia morrer cem mortes a ser um rei de hereges. Em 1566, os nacionalistas entraram em guerra contra os espanhóis. No ano seguinte, Filipe enviou o implacável Duque de Alba para destruir a heresia e sufocar a resistência. A ditadura que se seguiu (1567-1573) custou milhares de vidas, mas não conseguiu vencer a rebelião. Sob a liderança de Guilherme de Orange, que abraçou o calvinismo em 1573, o Holanda declarou a sua independência em 26 de julho de 1581. Guilherme foi assassinado por um fanático em 1584, sendo sucedido por seu filho Maurício, que consolidou a independência da nova República. 

Em conseqüência das lutas político-religiosas, os Países Baixos se subdividiram em três nações: Bélgica e Luxemburgo (católicas) e Holanda (majoritariamente protestante). Sob o influxo da fé reformada e da recém-conquistada autonomia política, a Holanda se tornou rapidamente uma das nações mais prósperas da Europa, criando um império comercial que se estendeu por todos os continentes. Tornou-se também uma das regiões da Europa marcadas por maior tolerância religiosa, atraindo dissidentes e refugiados de diversos países. (Alderi de Souza Matos, historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil).

APLICAÇÃO
A Reforma provocou mudanças vitais que fizeram com que a Igreja Católica Romana universal e única fosse substituída na Europa ocidental por igrejas nacionais. Essas igrejas tomaram a Bíblia como autoridade final e entendiam que não era necessário nenhum mediador humano entre o homem e Deus para a obtenção da salvação, já adquirida por Cristo na cruz para todos.

Precisamos lembrar sempre que a Igreja é de Jesus (Mt 16:18). Ela deve ser edificada nos pilares bíblicos: somente a Bíblia, somente Cristo, somente a graça, somente a fé, e, somente a glória de Deus. Qualquer outro evangelho deve ser rejeitado (Gl 1.8).

MEMORIZAR VERSÍCULO
Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Efésios 2:8-9.

QUESTÕES
Quais as divergências dos reformadores com a Igreja Católica?
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Quais os cinco pilares da Reforma Protestante?
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O que a vida de Lutero e Calvino pode lhe inspirar no seu dia a dia?
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Qual a importância de ler e estudar a Bíblia para o desenvolvimento da sua fé?
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Como a Igreja deve enfrentar as mudanças que acontecem no mundo?
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MATERIAL UTILIZADO
• Cairns, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos, São Paulo 2008. Editora Vida Nova.
• Textos de José Cristiano de Oliveira Sampaio escritos especialmente para a comemoração da Reforma Protestante no ano de 2010. Publicados originalmente no boletim da Igreja Esperança/BH.
• Movimento Reformado, por Alderi de Souza Matos. Universidade Mackenzie
• Matos, Alderi Souza. Amando a Deus e ao Próximo: João Calvino e o Diaconato em Genebra. Revista Fides Reformata. Volume II, nº2, 1997.
• Williams, Terri. Cronologia da História Eclesiástica, São Paulo 1993. Edições Vida Nova.

domingo, 3 de julho de 2011

Sofrimento

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 20)
TEXTO BASE: Atos 11.19-12.24

Deus age de modos estranhos. Num momento em que poderia parecer bom para os cristãos novos ficarem juntos na Igreja nova, para crescerem e amadurecerem, para desfrutarem da comunhão, eles foram espalhados pela perseguição.


A aula foi extraída do guia de estudos bíblicos: O Espírito em ação – John Stott, Editora Cultura Cristã