domingo, 31 de julho de 2011

Blaise Pascal (Biografia V)

Revista Ultimato, edição 330 - Maio/Junho
Matéria de Capa - Fé, razão, pecado e redenção no pensamento de Blaise Pascal
Revista Ultimato

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 23)

VIDA
Nascido em Clermont-Ferrand, na região central da França, em 19 de junho de 1628 e órfão de mãe aos 3 anos, Blaise Pascal era, a princípio, um notável matemático e físico. Seu primeiro livro científico foi escrito em 1640, quando ele tinha 17 anos (“Ensaio Sobre os Cones”). Deve-se a ele a chamada Lei de Pascal, a teoria das probabilidades, a invenção de uma máquina capaz de fazer as quatro operações (a Pascalina) e do carrinho de mão de uma roda só. A linguagem de programação Pascal, publicada em 1970, e usada até hoje, recebeu esse nome em homenagem ao matemático, mesmo não sendo desenvolvida por ele. Com a sua conversão a Cristo em 1654, aos 31 anos de idade, pouco depois de um acidente de carruagem em uma das pontes de Paris, Pascal tornou-se uma testemunha laica proeminente do cristianismo, mais ligado a Cristo do que à tradição e à própria igreja. Dentre as muitas declarações sobre Jesus, a mais enfática talvez seja: “Sem Jesus Cristo, o homem permanece no vício e na miséria. Com Jesus Cristo, o homem está imune ao vício e à miséria”.

Pascal conheceu o evangelho por influência do jansenismo: um movimento dentro da igreja, fundado pelo bispo holandês Cornelius Jansen (1585–1638), que preconizava uma reforma católica com base na igreja primitiva e uma espiritualidade interior. No caso dele, a conversão se deu em uma data precisa (23 de novembro de 1654, numa segunda-feira à noite, “das dez e meia da noite, mais ou menos, até cerca de meia-noite e meia”) e em um lugar determinado (em seu quarto, enquanto lia a sós a oração sacerdotal de Jesus, em João 17). Na mesma ocasião, ele registrou essa experiência em um pedaço de pergaminho. Como esse escrito estava costurado no forro do seu casaco, quando morreu, oito anos depois, supõe-se que Pascal o tenha carregado na roupa o tempo todo.

Depois de sua conversão, o ainda jovem matemático (31 anos) dedicou-se devotamente ao Senhor, sem colocar a ciência de lado (três anos depois, ele compôs “Elementos da Geometria”). Percebe-se a sua verdadeira espiritualidade, por exemplo, no título dado a um dos seus textos religiosos: “Oração para pedir a Deus a graça de fazer bom uso das enfermidades e outras obras”. Ele mesmo não tinha saúde e morreu cedo de um tumor maligno primeiramente no estômago e depois no cérebro, em 19 de agosto de 1662, um mês antes de completar 39 anos. Ele dizia que “nós podemos tudo com Aquele sem o qual não podemos nada”.

Pascal tinha 23 anos quando o também matemático e filósofo René Descartes morreu (1650). Por ter dado muito espaço para a razão e para a ciência e pouco espaço para a fé e para Deus, Descartes não gozava da admiração de Pascal. Em um dos seus pensamentos, Pascal diz que “não vale a pena perder tempo com a filosofia de Descartes”. Pascal, por sua vez, valoriza a razão sem desvalorizar a fé.

O livro “Pensamentos”, de Pascal, foi escrito com o propósito de persuadir os céticos, numa época em que predominavam o racionalismo de Descartes (1596–1650), o reducionismo de Montaigne (1533–1592) e o ceticismo do ex-monge italiano Lucilio Vanini (1585–1619). Ao surgir uma idéia, Pascal a anotava em qualquer pedaço de papel, deixando para colocar em ordem os escritos quando tivesse tempo. Entretanto, isso foi feito depois de sua morte, por familiares e amigos. O livro, obra prima da literatura francesa, tem também outro título: “Apologia da Religião Cristã”. O que ele fez no século 17 pode ser feito no século 21!

PENSAMENTOS
Segue alguns pensamentos de Pascal que mostram a mente de um cristão, um pensador que está consciente e conscienciosamente tentando explicar a si mesmo a seqüência que culmina na fé.

O homem dividido dentro de si mesmo
• A encarnação de Jesus mostra ao homem a grandeza de sua miséria pela grandeza do remédio que ele precisa.
• Poucos falam humildemente sobre humildade. Poucos falam castamente sobre castidade. Somos mentirosos, temos duas caras e vivemos sob disfarces na tentativa de ocultar dos outros o que realmente somos. Sem a graça de Deus o homem não é senão um sujeito cheio de erros inapagáveis.
Nós não somos senão mentiras, duplicidades, contrariedades. Nós nos escondemos e nos destruímos a nós mesmos.

O homem enjoa de tudo porque a felicidade não está nas coisas exteriores
• Trabalhamos incessantemente para embelezar e conservar nosso ser imaginário, negligenciando o verdadeiro.
• É perigoso conhecer Deus sem conhecer a própria miséria e conhecer a própria miséria sem conhecer Deus.
• Afastemos a impiedade e a alegria ficará sem mancha.

A morte é o começo da beatitude do corpo
• Enfrentemos a morte com Jesus Cristo e não sem Jesus Cristo. Sem Jesus Cristo a morte é terrível, detestável e o horror da natureza. Em Jesus Cristo, a morte é toda outra, toda amável, toda santa e a alegria do crente. Tudo é doce em Jesus Cristo, até a morte e isso porque ele sofreu e foi morto para santificar a morte e o seu sofrimento.
• Os crentes que morreram na graça de Deus não cessaram de viver, como a natureza sugere. Ao contrário, eles começaram a viver, como a verdade assegura. Suas almas não estão perdidas, nem reduzidas a nada, mas vivificadas e unidas no soberano viver.

Dor e consolação em conjunto
• Tu não és menos Deus quando estás me afligindo e punindo do que quando estás me consolando e mostrando compaixão por mim.
• Ó Senhor, tira de mim aquela autopiedade que o amor próprio tão prontamente produz e a frustração de não ser bem sucedido no mundo como eu naturalmente desejaria, pois esse sucesso não tem consideração por tua glória.
• Não oro por saúde ou doença, vida ou morte, mas oro para que a tua vontade use a minha saúde, a minha enfermidade, a minha vida e a minha morte para a tua glória, para a minha salvação, para o benefício de tua Igreja e dos santos.

Jesus Cristo é o centro para onde tudo converge
• Sem Jesus, qualquer comunicação entre Deus e o homem é impossível.
• Jesus Cristo é o objeto de tudo e o centro para onde tudo converge. Quem o conhece sabe a razão de todas as coisas.
• Não só conhecemos Deus apenas por Jesus Cristo, mas ainda nos conhecemos apenas por Jesus Cristo. Só conhecemos a vida e a morte apenas por Jesus Cristo. Fora de Jesus Cristo não sabemos o que é a nossa vida, nem a nossa morte, nem Deus, nem nós mesmos.
• Jesus Cristo não é simplesmente Deus, mas um Deus reparador das nossas misérias.
• Jesus veio dizer aos homens que eles não têm outros inimigos senão eles mesmos.
• Todos que procuram Deus fora de Jesus Cristo caem no ateísmo ou no deísmo, duas coisas que a religião cristã abomina quase de igual forma.
• O conhecimento de Deus sem o da própria miséria produz orgulho. O conhecimento da própria miséria sem o de Deus produz desespero. O conhecimento de Jesus Cristo gera o meio-termo, pois nele encontramos Deus e nossa miséria.

O cristianismo tem algo de espantoso
• O cristianismo é estranho. Ordena ao homem que reconheça o quanto é vil e abominável e, ao mesmo tempo, gera nele o desejo de ser semelhante a Deus.
• Salvo o cristianismo, nenhuma religião ensina que o homem nasce em pecado. Nenhuma escola filosófica o afirma. Nenhuma, pois, diz a verdade.
• Toda religião que não reconhecer agora Jesus Cristo é notoriamente falsa e os milagres que ela faz não podem servir para nada.
• O cristianismo consiste propriamente no mistério do Redentor, que reuniu em si as duas naturezas, a divina e a humana, e tirou os homens da corrupção dos pecados para reconciliá-los com Deus em sua pessoa divina.

Excluir a razão e não admitir senão a razão são dois extremos a evitar
• O coração tem razões que a razão desconhece. Sente-se isso em mil coisas. É o coração que sente Deus e não a razão. Eis o que é a fé: Deus sensível ao coração e não à razão. A religião não é absolutamente contrária à razão.
• Submissão e uso da razão -- eis em que consiste o verdadeiro cristianismo. O último passo da razão é reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a supera. Se a razão não reconhece isso, ela é fraca. Se as coisas naturais a superam, o que se dirá das sobrenaturais?
• Não tire de seu aprendizado a conclusão de que você sabe tudo, mas sim a certeza de que ainda resta muito a saber.
• É uma estranha inversão a sensibilidade do homem às pequenas coisas e a insensibilidade dele às grandes coisas.

Obs: O texto foi extraído da revista Ultimato, edição 330 - Maio/Junho. A matéria de capa desta edição foi sobre Pascal "Fé, razão, pecado e redenção no pensamento de Blaise Pascal".
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