domingo, 11 de dezembro de 2011

RONALDO LIDÓRIO


“O evangelho é Jesus Cristo.”

“Todos precisamos de Deus, seja numa floresta sem fim, seja num condomínio fechado.”

TEXTO BASE: Mateus 24:14

VIDA
Revista Ultimato edição 303

Precoce é a pessoa que faz alguma coisa antes do tempo esperado. É o caso do mineiro de Nanuque que se converteu aos 7 anos de idade durante uma escola bíblica de férias ministrada pela própria mãe; que se despertou para o trabalho missionário aos 14 anos ao ouvir uma pregação do próprio pai; que ingressou num seminário teológico logo após completar 18 anos; que se formou em teologia e casou-se um mês depois de comemorar o 23º aniversário; que arrumou as malas e se mudou com a esposa (ele com 26 anos e ela com 24) para uma aldeia bem no interior de um país africano para prestar assessoria à igreja Konkomba em Gana e consultoria antropológica e missiológica a países da África e da América do Sul; que traduziu o Novo Testamento inteiro para uma das línguas dos Konkomba em sete anos e meio. Desde 2001, Ronaldo Almeida Lidório, 40 anos, casado com a enfermeira e obstetra Rossana Vivianne Gassett Lidório, 38, tem se dedicado ao plantio de igrejas, à análise lingüística e tradução da Bíblia e ao desenvolvimento humano e social na Amazônia indígena. O casal tem uma filha (Viviane) de 17 anos e um filho (Ronaldo Junior) de 15, e mora em Manaus.

MISSÕES ENTRE OS KONKOMBA

Os Konkombas formam uma nação tribal que habita o nordeste de Gana, noroeste africano, onde são faladas 8 principais idiomas subdivididos em 23 dialetos. Todas essas etnias são denominadas pelo governo de Gana como "Konkombas" e algumas outras como "Kombas", sendo porém estes nomes alienígenas às próprias tribos.

Desde 1994 o casal de missionários Ronaldo e Rossana Lidório está envolvido no propósito de alcançar um ramo da tribo Konkomba, que se intitula Bimonkpelns (ou "homens que vivem"), na região de Koni ao nordeste de Gana, uma população superior a 70000 habitantes.

Em 2006 foram contabilizadas 23 igrejas e 6000 convertidos em 21 comunidades. Até o momento, foram treinados biblicamente cinco evangelistas e 30 presbíteros. Outros 60 líderes estão em treinamento através de cursos de vida cristã que estão sendo ministrados pelos evangelistas. No total, 87 líderes estão ativos nas diversas igrejas e ministérios, sendo apenas os cinco evangelistas sustentados pela Igreja e com tempo integral para o trabalho.

Em 2011, por iniciativa própria, a Igreja Konkomba organizou um grupo de irmãos para a tradução do Antigo Testamento para a língua Limonkpeln. Além disso, igrejas têm sido plantadas no norte do Togo, totalizando 48 entre Gana e Togo, com uma multiplicação de líderes a frente de cada uma destas igrejas.

TRADUÇÃO DA BÍBLIA


Por Ronaldo Lidório
Revista Ultimato edição 290

Finalizações freqüentemente nos trazem alívio e alegria. Especialmente aquelas que são fruto de uma longa espera.

Nesses dias, estamos particularmente alegres pela conclusão do processo de tradução do Novo Testamento para a língua Limonkpeln, um dos dialetos do povo Konkomba, em Gana, África. A figura que me vem à mente neste momento é a do início, quando Labuer e eu sentávamos embaixo de uma árvore próxima à minha casa e durante 3 ou 4 horas por dia trabalhávamos na ortografia da língua Limonkpeln. Na época, visávamos apenas fazer uma cartilha e alfabetizar o povo em sua própria língua.

Foram 7 anos e meio de trabalho — um trabalho silencioso e sem resultados empolgantes durante o seu processo. No início os Konkomba não entendiam o porquê daquele olhar pensativo, das horas e horas sobre um computador, daquele monte de livros por todo lado. Ficavam a me observar durante o dia, de longe, sussurrando baixinho uns com os outros.

Aos poucos a Igreja nasceu e alguns rascunhos começaram a ser usados. Eles aprenderam a amar a Palavra e, a cada dia, surgiam inúmeras perguntas. Os resumidos capítulos em mãos tornaram-se rapidamente insuficientes para a demanda espiritual. Publicamos, então, Mateus, Atos e Romanos, que foram recebidos com expectativa. O povo memorizava textos inteiros e discutia as aplicações em reuniões sem fim. A Igreja, vendo nosso esforço, se autodesafiou a cooperar. Começou a orar e jejuar para que tivesse a Palavra na sua língua, o Novo Testamento completo. Passei a me sentir constrangido (e às vezes acuado) quando resolvia tirar uma tarde livre para brincar com as crianças. Por meio de uma mensagem silenciosa, a Igreja parecia censurar-me. Afinal a prioridade deveria ser trabalhar na tradução. Apenas o plantio de igrejas, que fazíamos em viagens pela região, sobrepunha ao anseio da tradução. Era necessário progredir.

Em 1997, os líderes da Igreja Konkomba-Limonkpeln resolveram se envolver diretamente no processo. Sabiam que eu possuía um ajudante lingüístico, com tempo parcial. Decidiram “separar” outros três com tempo integral. Cuidariam das roças desses ajudantes para que se dedicassem às correções do texto. Esses quatro amigos abençoados — Labuer, Balabon, Tiagri e Naason — tomaram paixão pelo trabalho e também aprenderam a trabalhar dia e noite. Creio que, nos últimos 7 anos e meio, jamais houve um dia sem que se trabalhasse no texto do Novo Testamento.

Rossana e as crianças sempre foram benevolentes com meu tempo usado na tradução. Até hoje Ronaldo Junior, quando indagado onde estou, prontamente responde: “Papai está no computador fazendo uma Bíblia” — não importa o que de fato eu esteja fazendo. Eu procurava concentrar o trabalho sempre à noite, depois que todos dormiam. Era mais fresco e havia a quietude necessária.

Outro dia juntei todo o material utilizado, desde a tradução primária até a retrotradução, passando pelas cinco correções gerais. São pilhas e pilhas de papéis, centenas de e-mails trocados com consultores, inúmeras cartas em português, inglês, Konkomba, mais de 30 livros de consulta utilizados. O resultado cabe na palma da mão, em apenas um CD.

A força da Igreja Konkomba mostrou-se ainda mais viva na última correção. Eu precisava que a equipe fizesse uma última e minuciosa leitura do texto. A Igreja então separou uma casa e preparou-a com o cenário de quietude necessário para o trabalho, pedindo que, durante um mês, ninguém se aproximasse. Trouxe os quatro ajudantes lingüísticos, que ali permaneceriam durante 3 semanas e meia. Designaram mulheres da Igreja, boas cozinheiras, que proveram o alimento necessário, e do melhor. Assim, praticamente isolaram esse grupo naquela casa até completarem a tarefa, cobrindo-os de oração.

Entre tantos colaboradores, um precisa ser mencionado primeiro. O Rev. Francisco Leonardo Schalkwijk era diretor do Seminário Presbiteriano do Norte quando, logo no início do meu curso naquela instituição, abordou-me com a pergunta: “Você quer ser missionário entre povos sem o evangelho?” Depois de ouvir uma temerosa resposta positiva, passou a aconselhar-me. Um dos conselhos cravou no meu coração: “Estude bem o grego e você economizará anos de trabalho na tradução”. Um outro colaborador silencioso foi Mebá, o primeiro convertido entre os Konkomba-Limonkpeln. A cada texto lido durante as correções, ele sempre interrompia, dizendo, benevolente: “Está muito bom e todos vão entender. Mas, se utilizasse esta ou aquela expressão, ficaria parecendo que foi escrito por um Konkomba...”

Falemos do presente. O sentimento ao entregar o texto é surreal. Pensei que sentiria algo entre alegria e alívio, mas senti, sobretudo, temor. E se pudéssemos melhorar a expressão usada para “longanimidade”? Não teria sido imprudência optar por “sacrifício” o termo que historicamente tem sido usado no animismo fetichista? E “Espírito Santo” que, explicativamente, teve de ser traduzido por “Espírito que é puro e é pessoa, não apenas força”? Certamente ficou longo para nós, mas talvez não para uma cultura onde a maioria dos espíritos não é personificação, e, sim, energia impessoal. A numerologia bíblica em uma língua em que se conta até 500 (depois disso as regras mudam para um discurso binário extenso) torna-se muito complexa. Os “144.000” de Apocalipse 14 tomaram cinco linhas.

O Konkomba-Limonkpeln é uma das três principais línguas do povo Bikpakpaln, conhecido como Konkomba pelos de fora. De fato, este não é um termo usado ou mesmo conhecido pela maioria para se identificar. Eles habitam as savanas no nordeste de Gana e noroeste do Togo. Formam etnias fortes, com grave valorização da cultura e orgulho de sua língua. No país são conhecidos como Tiwoor aanib (povo do mato), por preferir se isolar em regiões mais distantes. No imaginário popular são agressivos e senhores de guerras. Mas, na verdade, são extremamente hospitaleiros e leais. Para eles a maior vergonha é mentir. A maior virtude é honrar os pais já velhos e tê-los na memória quando se forem. Os filhos são criados por todos, e não há órfãos. A Wycllife trabalha há décadas com uma das etnias, os Bichaboln, a qual possui a Bíblia completa em seu idioma. Nós iniciamos o trabalho com uma segunda etnia, os Bimonkpeln. E ouvimos recentemente sobre um esforço metodista em alcançar a terceira etnia, os Bisachuln. Parece-me que Deus tem um plano para esse povo.

PROJETO AMANAJÉ


Atualmente, o missionário Ronaldo Lidório e sua esposa Rossana lideram na Amazônia o Projeto Amanajé, um trabalho de médio e longo prazo com povos indígenas, de alcance missionário e desenvolvimento de programas sociais relevantes. A missão do casal foi, inicialmente, diagnosticar uma área de necessidade evangelística dentro do universo indígena amazônico, organizar uma equipe e prepará-la para o Projeto.

Lidório conta que o primeiro passo foi a realização de alguns mapeamentos na Amazônia, quando ele e Rossana puderam dispor de fotos via satélite, informações do missiólogo Paulo Bottrel da AMTB (Associação de Missões Transculturais Brasileiras) e outros bancos de dados. Eles percorreram aproximadamente três mil quilômetros em diversos rios e áreas indígenas e identificaram duas áreas com graves necessidades, nas quais se concentraram.

A equipe do Projeto Amanajé é formada por 11 pessoas que realizam um trabalho missionário junto a comunidades, na selva, no Alto Rio Negro, e estão aprendendo uma das línguas tribais.

Atualmente, o Projeto está na terceira fase: o desenvolvimento estratégico do processo evangelístico multi-étnico e dos programas sociais que envolvem saúde e subsistência em áreas carentes.

Igrejas locais e irmãos sustentam voluntariamente cada missionário do Projeto, e os próprios missionários sustentam a sua área de atuação ministerial. Há também um fundo através do qual cada missionário contribui para manter os bens comuns como canoas e motores. A Visão Mundial e o grupo Hebron cooperam com a manutenção de alguns projetos sociais.

ENTREVISTA DA REVISTA ULTIMATO COM LIDÓRIO (ANO 2006)
Revista Ultimato edição 303

Ultimato — A população indígena, que diminuía a cada ano no Brasil, voltou a crescer. Qual é a explicação?

Lidório — Calcula-se que havia 1,5 milhão de indígenas em 1500, os quais somam hoje pouco mais de 350.000, configurando um dos maiores processos etnofágicos nos últimos 500 anos. Porém, a população indígena, que diminuía a cada ano, voltou a crescer de forma animadora nas últimas décadas. A existência de programas de saúde que previnem e tratam as doenças em geral, e também as mais específicas como a malária, possuem uma contribuição acentuada. Programas de subsistência têm auxiliado ao prover mais proteínas e vitaminas em áreas indígenas onde o alimento se resumia quase que puramente ao carboidrato. A presença missionária também é responsável por inúmeros programas de desenvolvimento humano porém sua principal marca social é a valorização da língua materna, provendo grafia e gerando programas de alfabetização que asseguram a identidade lingüística e, conseqüentemente, cultural, em diversas etnias. Há casos, como o dos Dâw do Amazonas, em que os missionários da Associação Lingüística Evangélica Missionária (ALEM) realizaram um verdadeiro resgate lingüístico-cultural. Era uma etnia que pouco falava sua língua, vivia dispersa e excluída em um contexto urbano e quase perdera por completo sua identidade indígena. Ao encontrá-los hoje, vivendo em sua aldeia com alegria e dignidade, é visível o sentimento de cidadania e humanização. Falam sua língua com prazer e a ensinam aos seus filhos. Viver sua própria cultura os define como gente perante um universo onde outros também expressam abertamente seus valores culturais. Identidade cultural faz bem à alma.


Ultimato — Você está fazendo o mapeamento da região amazônica. Qual a finalidade do mapeamento?

Lidório — Estou envolvido na pesquisa de algumas áreas. O objetivo central é identificar ajuntamentos humanos com graves carências sociais e espirituais. As estatísticas convencionais que definem os agrupamentos indígenas não expressam em profundidade a situação social, o índice de preservação lingüística, o relacionamento intercultural com outras etnias da região e com os não-indígenas, entre outros. Esses dados são importantes para o desenvolvimento de programas cujo objetivo seja contribuir de maneira relevante com esta realidade. A ONG ATINI, por exemplo, que luta contra o infanticídio que ocorre em abundância no contexto indígena brasileiro, é resultado de longa observação por parte da JOCUM dessa prática social entre o povo Suruwahá e outros grupos. A pesquisa ajuda-nos a identificar os pontos de tensão e a participar na solução de conflitos. 



Ultimato — Quantos grupos indígenas temos hoje no território nacional? Pode haver outros?
Lidório — Os dados divergem de uma listagem para outra por considerarem, ou não, alguns grupos ainda não reconhecidos oficialmente como indígenas. Creio ser seguro, porém, pensarmos em 258 grupos indígenas com identidade definida no Brasil, além de outros cinqüenta ainda isolados. Grupos isolados são aqueles que não possuem contato com o mundo externo, e normalmente não se sabe se são uma variação cultural de um grupo já reconhecido ou se são novos. Muitos grupos indígenas estão em fase de extinção — extinção não necessariamente populacional, mas cultural e lingüística. Aryon Rodrigues estima que, na época da conquista do Brasil, eram faladas 1.273 línguas, ou seja, perdemos 85% de nossa diversidade lingüística em 500 anos. Das línguas sul-americanas, 27% já não são aprendidas pelas crianças. Esta é uma extinção silenciosa que mata não apenas a língua mas também a identidade e a esperança de muitos povos. 



Ultimato — Você é a favor da tradução da Bíblia para grupos lingüísticos reduzidos, com uma população de cem falantes, por exemplo? Por quê?
Lidório — O critério bíblico segundo o qual uma alma vale mais do que o mundo inteiro mostra que na economia de Deus a carência de um único indivíduo é o suficiente para qualquer esforço. E, se observarmos a tradução bíblica de perto, veremos que ela não é um processo isolado, mas uma atividade associada à grafia de uma língua, sua análise, desenvolvimento de cartilhas, alfabetização e fomentação de registros históricos e culturais pelo próprio povo, que contribuem para sua afirmação humana e social. Quando um povo lê a Bíblia em sua língua materna, este exercício possui um profundo valor tanto espiritual quanto sociocultural. Desta perspectiva, talvez a tradução bíblica seja ainda mais prioritária para os grupos minoritários, mais suscetíveis à perda lingüística e cultural, do que para os grandes grupos. Na África tivemos contato com o casal Stevenson, que traduzia a Bíblia para um grupo de quatorze pessoas cuja língua era uma variação lingüística dos Bikuln. Gastaram ali mais de 25 anos de suas vidas e, ao entregarem um dos livros do Novo Testamento nas mãos de um jovem da tribo, ele afirmou que entendera que o amor de Deus não é proporcional ao tamanho da tribo, pois Deus ama igualmente uma grande etnia e um pequeno grupo de quatorze pessoas. Creio que ele entendeu bem.


Ultimato — O sonho indígena de uma terra sem males pressupõe que os indígenas acreditam na vida após a morte? Eles têm alguma noção da ressurreição do corpo? 

Lidório — Várias culturas indígenas possuem uma cosmologia definida pelo aquém e pelo além, a qual inclui o conceito de vida eterna em uma terra sem males. Esta cosmovisão mais escatológica da vida pode ser identificada não apenas entre os indígenas mas também em diversos outros grupos espalhados pela terra. Os Konkomba de Gana crêem que o pacham é um lugar para onde irão os que morrem já bem velhos e com muitos filhos. Os Chakali falam sobre o báthan como sendo o destino pós-morte de todo homem, sendo que aqueles que não enganaram o próximo terão comida em abundância. O restante viverá da boa vontade do primeiro grupo. A convicção de uma terra sem males entre os indígenas brasileiros é, em alguns casos, tão enfática que pode ser relacionada como uma das possíveis causas da abundância de suicídios. Quando um jovem se vê sem saída, ou envergonhado, ou ainda profundamente melancólico, por vezes opta pelo suicídio, não apenas como uma maneira de fugir do conflito pelo qual passa, mas movido também pela convicção de que o mundo pós-morte será melhor, sem dor. Há poucos registros, porém, sobre crenças ligadas à ressurreição do corpo em culturas indígenas. 



Ultimato — Onde você passa mais tempo: com a família, em Manaus; com os indígenas, em suas tribos; ou em viagem pelos rios da Amazônia?
Lidório — Neste ano nos mudamos para Manaus por ser um ponto central para nossas viagens e atividades no Norte. Como faço várias viagens por ano, dentro e fora do Amazonas, passo muito tempo fora de casa. As viagens fluviais na Amazônia são as mais longas, pois envolvem distâncias consideráveis. Porém aproveitamos bastante o tempo juntos em família. Quando estamos em casa, nossos filhos, Vivi e Ronaldo Junior, têm prioridade de tempo e atenção. Também temos um compromisso de passar de dois a três meses, a cada dois anos, na África para treinamento de liderança. 



Ultimato — Como você se sente fora da chamada civilização, em plena mata, em contato com a beleza exuberante da natureza não poluída?
Lidório — Tanto na África quanto na Amazônia, o sentimento de estar em um lugar remoto com pouca intervenção humana é fascinante. Observar o verde intocado da Amazônia, por exemplo, nos faz pensar muito no poder de Deus, Criador de algo tão belo e cativante. No entanto, depois de viver nesses ambientes mais distantes por algum tempo, perde-se um pouco do romantismo e os desconfortos da privação das facilidades nas quais fomos criados passam a ser mais sentidos. Em Gana, na África, passávamos até seis meses na aldeia viajando apenas duas vezes por ano para uma área urbana. Quando chegávamos à capital, Accra, meu maior prazer era apertar um interruptor e ver a luz acender. O de Rossana era abrir uma torneira e ter água corrente. Quando perguntávamos ao meu filho caçula, ainda pequenino, do que ele sentia falta na aldeia, ele respondia: Do McDonald’s! 



Ultimato — Segundo dados do governo, em 2005 16.700 quilômetros quadrados da floresta amazônica foram transformados em terras agricultáveis, com a derrubada de 1 bilhão de árvores. A Amazônia poderá vir a ser uma região independente do Brasil por sua importância no cenário mundial? 
Lidório — A destruição da floresta é assunto preocupante, porém não ocorre de maneira uniforme na Amazônia. Em algumas áreas indígenas, como no Alto Rio Negro, por exemplo, não é perceptível. Nos arredores de Porto Velho, Rondônia, é evidente. Creio que o problema está localizado especialmente próximo a centros urbanos, onde se escoa mais facilmente a madeira, e em setores de expansão agrícola, onde há grandes queimadas. Não creio que a Amazônia venha a ser independente justamente por sua importância nos cenários mundial e, conseqüentemente, nacional. Penso que o desenvolvimento da política de conservação ambiental só acontecerá quando ela for trabalhada com a população local — que é a única capaz de coibir o desmatamento, seja por não praticá-lo, seja por fiscalizar aqueles que o praticam. Políticas externas dissociadas de uma consciência local não surtirão efeito. 



Ultimato — A relação entre a FUNAI e as missões indígenas está melhor agora? 
Lidório — Minha impressão é que há uma boa relação que caminha para se consolidar. O trabalho da FUNAI é relevante e desafiador, tendo em mente a diversidade étnica indígena no Brasil e sua função de fiscalizá-la. Hoje vivemos um momento em que também cresce o movimento missionário formado pelos próprios indígenas. O CONPLEI (Conselho Nacional de Pastores e Líderes Indígenas) tem demonstrado de forma acentuada essa força. Costumo dizer que a necessidade humana é a mesma, em qualquer cultura e contexto, e é preciso juntar forças para minimizá-la. Apenas a roupagem muda. Ao lembrar-me do indígena excluído e discriminado, sem alimento nem dignidade, nas margens do rio Solimões, percebo nele a mesma dor e constrangimento do rapaz urbano e também excluído, sentado na calçada em uma rua de Recife, invisível na multidão. Jesus, ao falar sobre um homem judeu caído ao longo do caminho e socorrido por um samaritano, nos aponta que as crises humanas são idênticas e ocorrem em qualquer sociedade. Muda apenas a roupagem externa, como língua, cultura, cosmovisão e contexto.


Ultimato — Qual foi o trabalho que você e Rossana desenvolveram em Gana na década de 90? 

Lidório — Fomos para Gana em 1993 e lá permanecemos até 2001, quando viemos trabalhar na Amazônia. Na África atuamos com a etnia Konkomba-Limonkpeln, uma das quatro etnias Konkomba, com plantio de igrejas e tradução bíblica, e desenvolvimento de projetos sociais na área de educação e saúde. Pela graça de Deus há hoje ali 23 igrejas, pastoreadas por cinco pastores Konkomba. Várias delas foram plantadas por iniciativa do próprio povo. A clínica médica, que atende mais de 6 mil pessoas por ano, e as escolas, que educam mais de 400 crianças, são totalmente dirigidas pelos Konkomba. Um dos ministérios naquele lugar que encheu nosso coração foi a tradução do Novo Testamento para a língua Limonkpeln. Fomos despertados para essa necessidade porque no início os crentes vinham de aldeias distantes para participar de estudos bíblicos na aldeia onde morávamos, Koni. Passavam alguns dias conosco e memorizavam versículos que transmitiriam a outros. Uma mulher veio de Kadjokorá, uma aldeia que ficava a quatro dias de caminhada. Ela também memorizou os treze versículos e participou do encontro. Voltando para sua aldeia, depois de dois dias de caminhada, ela esqueceu um dos versos. Não pensou duas vezes. Voltou aonde estávamos e disse que estava ali porque a Palavra de Deus era preciosa demais para se perder ao longo do caminho. Memorizou de novo o verso e recomeçou sua jornada de quatro dias de caminhada para casa. Naquele momento nos comprometemos com a tradução do Novo Testamento para o Limonkpeln, que, pela graça de Deus, foi entregue em outubro de 2004 em uma linda festa com cerca de mil Konkombas louvando a Deus sob a sombra de algumas mangueiras.


APLICAÇÃO
E será pregado (Kerygma) este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho (Martíria) a todas as nações. Então, virá o fim. Mateus14:24

Há dois termos largamente usados no Novo Testamento que retratam o caráter cristão: proclamação e testemunho. O termo grego para ‘proclamação’ é ‘Kerygma’: a forma estratégica e inteligível de comunicar a mensagem do evangelho. É a Igreja se preparando, estudando e analisando as possibilidades de comunicar o evangelho a um grupo, seja uma pessoa, família ou povo. Isto é Kerygma.

‘Martíria’ é o termo grego para ‘testemunho’ e sempre está ligado ao Kerygma. Entretanto ‘Martiria’ não é uma proclamação inteligível e estratégica como encontro de casais, acampamentos evangelisticos, evangelismo explosivo ou células familiares. Martiria é testemunho de vida, a personalidade transformada pelo Senhor. É domínio próprio em casa, ser justo com os empregados, ser brando no falar. É ser a imagem de Jesus.

A Igreja foi chamada para ser primeiramente Martírica – viver com fidelidade tudo aquilo que crê - e só então assumir uma postura Kerygmática.

O versículo de Mateus nos ajuda a responder 3 perguntas importantes a cerca da missão da Igreja:
1.    O que será pregado?
O evangelho deverá ser pregado, e o evangelho nada mais é que Jesus, a boa notícia de Deus.
2.    Como será pregado?
O evangelho será comunicado através da dupla proclamação e testemunho, ou seja, anunciando e vivendo o evangelho aonde nos encontrarmos.
3.    Aonde será pregado?
O evangelho será pregado em todo lugar, e prioritariamente e com persistência aos povos ainda não alcançados.

Extraído da pregação de Ronaldo Lidório no VI CBM (Congresso Brasileiro de Missões) em 2011.

MATERIAL UTILIZADO

·         Site Oficial de Ronaldo e Rossana Lidório < http://www.ronaldo.lidorio.com.br/ >
·         Instituto Antropos < http://www.http://instituto.antropos.com.br >
·         Revista Ultimato < http://www.ultimato.com.br >

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