domingo, 20 de março de 2011

Igreja Imperial - (História da Igreja 2)

Por Pedro Paulo Valente
Blog do Pedro

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 6)

TEXTO BASE: João 17

INTRODUÇÃO
Chegamos num período da história no qual a Igreja passará de perseguida pelo Império Romano à religião oficial do Estado. Durante o período de 313 a 590 d.C. o Cristianismo passará por um momento de desenvolvimento doutrinário através de diversos concílios realizados, do desenvolvimento de uma filosofia cristã e da influência Igreja nos assuntos políticos do Estado.
Nesta época a fé cristã também se espalhará entre os bárbaros através de diversos movimentos missionários nas fronteiras do Império Romano.

SITUAÇÃO HISTÓRICA
O Império Romano começou a se enfraquecer frente aos constantes ataques bárbaros, paralelamente o número de cristãos cada vez aumentava mais. O imperador vigente, Constantino (247-337), filho de mãe cristã (Helena), descobriu no cristianismo uma possibilidade de promover uma unidade em torno da fé cristã para salvar a cultura clássica e o Império frente aos ataques e a iminente desintegração que o ameaçava.
Uma série de políticas de favorecimento a Igreja começou a entrar em ação, iniciando com o Édito de Milão (313), no qual foi concedida liberdade de culto a Igreja, seguido de diversos outros editos como a recuperação dos bens confiscados durante as perseguições promovidas por Diocleciano (303 e 305), isenção do clero do serviço público, auxílio a Igreja pelo Império, entre outros.
Constantino ainda promoveu o Concílio de Nicéia para fortalecer a unidade da Igreja e por fim a disputas teológicas, principalmente sobre as questões da divindade de Cristo e a natureza da Trindade.
Porém, foi no governo de Teodósio, entre 380-381 que foi proclamado o edito que tornou o cristianismo a religião oficial do Império, e em 392 o Edito de Constantinopla que proibia o paganismo e tornando o cristianismo a religião exclusiva do Império.
Neste período, o cristianismo elevou o nível moral da sociedade ao ponto de a dignidade da mulher ser reconhecida, os espetáculos de gladiadores serem abolidos, os escravos receberem melhor tratamento, a legislação romana tornar-se mais justa e o avanço da obra missionária ter aumentado. Entretanto, houve também desvantagens, dentre as quais podemos destacar a interferência do governo em assuntos espirituais e teológicos da Igreja, o cristianismo ter se tornado um arrogante perseguidor do paganismo e o surgimento de hierarquia na Igreja a partir do bispo de Roma, concedendo a ele privilégios e poderes, dando subsídios para o desenvolvimento do papado.

O DESENVOLVIMENTO DOUTRINÁRIO
O período de 313-451 foi marcado por grandes controvérsias teológica, que resultaram em 7 concílios universais de líderes da Igreja para resolver os conflitos (Nicéia em 325, Constantinopla em 381, Éfeso em 431, Calcedônia em 451, II Constantinopla em 553, III Constantinopla em 680-681 e II Nicéia em 787). Esses concílios fizeram grandes formulações universais como os credos e estabeleceram os principais dogmas da Igreja Cristã.






A relação entre as pessoas da Trindade
A controvérsia era basicamente em torno da divindade de Cristo, e o primeiro concílio foi organizado para discutir a questão (Nicéia, 325), com a presença de mais de 250 bispos da Igreja.
Ário era um dos líderes que defendia que Cristo era divino, mas não Deus. E foi Atanásio (296-373), que com menos de 30 anos defendeu a idéia de que Cristo existiu desde a eternidade com o Pai e era de mesma essência com o Pai, embora fosse uma personalidade distinta. Ele insistia nessa interpretação porque cria que, se Cristo fosse menor do que ele mesmo afirmava ser, não poderia ser o Salvador dos homens.
Já o concílio de Constantinopla (381) condenou as idéias de Macedônio, que ensinava que o Espírito Santo era “ministro servo” no mesmo nível dos anjos. Isso era uma negação da verdadeira divindade do Espírito Santo.
É importante lembrar que o conceito da Trindade não foi elaborado nos concílios, pelo contrário, inclusive o vocabulário trinitário já havia sido criado por Tertuliano (160-220), mas foram discutidos e ratificados pela Igreja em defesa da fé cristã e em prol da unidade da Igreja.

Controvérsias sobre a relação entre as naturezas de Cristo
Várias controvérsias surgiram sobre as duas naturezas de Cristo. Alguns costumavam dar ênfase na divindade de Jesus enquanto outros valorizavam a sua humanidade. A pesar de dois concílios (Éfeso e Calcedônia) já terem condenado essas doutrinas, foi apenas no III concílio de Constantinopla (380-381) que a questão foi finalmente resolvida.
O concílio estabeleceu que Cristo era completo em sua divindade e completo em sua humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, tendo duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação. Sendo que ambas as vontades, humana e divina, existiram em Cristo, a primeira se submetendo a segunda.

O processo da Salvação do homem
Agostinho (354-430) e Pelágio (360-420) tiveram um embate defendendo diferentes visões sobre o processo de salvação do homem. Pelágio defendia que a vontade humana tem um papel no processo de salvação, enquanto Agostinho havia descoberto que a vontade humana era insuficiente para livrá-lo do pântano onde se encontrava por causa do seu pecado.
Para Pelágio, todo homem é criado livre como Adão, tendo, portanto, a capacidade de escolher entre o bem e o mal. Cada alma é uma criação individual de Deus, não herdando por isso a contaminação do pecado de Adão. O homem não herda o pecado original de seu primeiro pai, sendo a vontade livre para cooperar com Deus no processo de salvação e santificação.
Agostinho se opôs ao que ele cria por considerar isto uma negação da graça de Deus, afirmando que a regeneração é uma obra exclusiva do Espírito Santo. O homem foi feito originalmente à imagem de Deus e livre para escolher o bem e o mal, mas o pecado de Adão atingiu a todos os homens, porque Adão era o pai da raça humana. A vontade do homem está totalmente corrompida pela queda, razão pela qual ele pode ser considerado totalmente depravado e incapaz de usar a sua vontade no que diz respeito ao problema da salvação. A salvação vem somente para os eleitos através da graça de Deus em Cristo.
As idéias de Pelágio foram condenadas no concílio de Éfeso (431). A Reforma Protestante também reafirmou a posição de Agostinho, embora até hoje ainda haja muito embate entre o conceito de eleição e livre-arbítrio.

O CRISTIANISMO NOS MOSTEIROS

Imagem: O Mosteiro da Batalha ou Mosteiro de Santa Maria da Vitória, é desde 2007 classificado pela UNESCO como Património da Humanidade e a em 7 de Julho de 2007 foi eleito como uma das 7 maravilhas de Portugal.

Vários fatores contribuíram para o surgimento do monasticismo dentro da Igreja. Vejamos alguns motivos:


1. A doutrina dualista sobre a carne e o espírito, com sua tendência a considerar a carne má e o espírito bom. A fuga do mundo, segundo se pensava, ajudava a pessoa a crucificar a carne e desenvolver a vida espiritual.
2. O elevado número de pessoas que se converteram a fé cristã e não foram devidamente discipuladas, contribuiu para trazer a igreja muitas práticas pagãs, causando a revolta de alguns. Associado a isso, acrescenta-se a decadência moral presente na igreja, na qual seus opositores enxergavam no monasticismo uma crítica à sociedade da época.

Os mosteiros desenvolveram técnicas sofisticadas para a agricultura, proporcionaram educação de nível superior e serviram de refúgio para aqueles que necessitavam de cuidado.
Entretanto também deixaram muito débito a se considerar. Muitos se isolaram e deixaram de contribuir com o mundo, favorecendo a arrogância espiritual e uma experiência de fé individual.

A IGREJA CATÓLICA ROMANA
Devido às preocupações com heresias e cismas na Igreja, o conceito de bispo monárquico foi se fortalecendo na Igreja, destacando-se 3 bispados proeminentes: Alexandria, Roma e Antioquia.
Bispo monárquico era aquele que liderava um grupo de pastores de uma determinada região.
Embora o sistema de governo criado pela Igreja visava manter a integridade da doutrina dos apóstolos, ele fortaleceu a concentração de poder sobre o bispo da capital do Império (Roma) no momento que o Cristianismo passou a ser a religião oficial do Império.
No ano de 590, Gregório I assumiu o trono episcopal de Roma e tornou-se o primeiro Papa da agora fortalecida Igreja Católica Romana, assumindo tanto o poder sacro quanto o régio, porque agora os governadores deveriam se submeter ao papa.

APLICAÇÃO
A oração sacerdotal de Jesus pelos seus discípulos (João 17) é bem propícia para refletirmos sobre esse período da história e reconhecer que esta oração tem se cumprido, além de nos ensinar muito sobre a obra de Deus.
Jesus nos lembra que a obra que Ele começou agora é destinada a nós, para que unidos por meio da Igreja possamos testemunhar da nossa fé. Essa unidade requer fé genuína e compreensão de que Jesus é Senhor, um com o Pai antes da fundação do mundo.
Ao mesmo tempo somos advertidos de que não pertencemos a esse mundo, e esse é um dos perigos que a Igreja enfrenta, o perigo de ser seduzida pelo poder desse mundo. Quando isso ocorre, confundimos nossa missão e corremos sério risco de perder Jesus de vista.

QUESTÕES
Observando a história do cristianismo, você acredita que ele contribui positivamente para transformar uma sociedade?
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Como o conhecimento das controvérsias teológicas da Igreja pode contribuir para a sua fé hoje?
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Quais as contribuições dos mosteiros e dos monges para a Igreja?
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Quais os perigos que você enxerga na associação da Igreja com o Estado?
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Você acha que o cristão deve se envolver com política? Por quê?
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MATERIAL UTILIZADO
• Cairns, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos, São Paulo 2008. Editora Vida Nova.
• McGrath, Alister E. Sistemática, Histórica e Filosófica. Uma Introdução a Teologia Cristã, São Paulo 2005. Shedd Publicações.
• Williams, Terri. Cronologia da História Eclesiástica, São Paulo 1993. Edições Vida Nova.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Curso de História da Igreja

O blog Bom Caminho disponibiliza vídeos de aula sobre a história da Igreja.

O material é muito bom, e pode aprofundar mais os etudos que estamos fazendo sobre a História do Cristianismo através dos século.

Para acessar: Curso de História da Igreja

domingo, 13 de março de 2011

O Início da Perseguição (aula 5)

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 5)

TEXTO BASE: Atos 3:1 – 4:31


PARA LER E PENSAR
Observamos que, antes de as pessoas fazerem qualquer pedido, elas alimentam suas mentes com pensamentos acerca da soberania divina. Primeiro, ele é o Deus da criação, que fez o céu, a terra e o mar, e tudo o que há neles (v. 24). Segundo, ele é o Deus da revelação, que falou pelo Espírito Santo por meio de Davi e, no Salmo 2 (já no primeiro século a.C. reconhecido como messiânico), previu a oposição do mundo ao seu Cristo, com os gentios se enfurecendo, os povos tramando, reis se levantando e príncipes conspirando contra o Ungido do Senhor (vs. 25, 26). Terceiro, ele é o Deus da História, que fez até seus inimigos (Herodes e Pilatos, gentios e judeus, unidos em conspiração contra Jesus, v. 27) fazerem o que seu poder e vontade haviam decidido antecipadamente (v. 28). Essa era, portanto, a compreensão que a igreja primitiva tinha de Deus, o Deus da criação, da revelação e da História, cujas ações características são resumidas pelos três verbos, fizeste (v. 24), disseste (v. 25) e predeterminaram (v. 28).

A aula foi extraída do guia de estudos bíblicos: O Espírito em ação – John Stott, Editora Cultura Cristã

sábado, 12 de março de 2011

Na arena com Perpétua e Felicidade

Por Délnia Bastos
Publicado Originalmente na Revista Ultimato, edição 311 / 2008

Era o início do terceiro século. O Império Romano tinha se fortificado em toda a região do Mediterrâneo. A sociedade gozava de estabilidade e privilégios — entre eles o de assistir aos jogos.

O anfiteatro era o local construído para a realização dos jogos. Compunha-se de uma estrutura oval, com algumas jaulas laterais para as feras, a arena no centro e um pequeno templo debaixo da arena. Ali, os gladiadores pediam as bênçãos dos deuses romanos para suas lutas, ao mesmo tempo em que os condenados aguardavam sua sentença. Ao redor da arena, havia uma espécie de arquibancada para o público assistir confortavelmente aos espetáculos.

Naquela época, o imperador Sétimo Severo baixou um edito segundo o qual todos deveriam oferecer sacrifícios aos deuses romanos e ao próprio imperador. O infrator era sentenciado, juntamente com outros criminosos.

Vívia Perpétua, uma jovem senhora da nobreza, e sua empregada Felicidade eram cristãs. Aos 20 anos, grávida, Perpétua foi condenada, juntamente com Felicidade e mais três cristãos, por desobedecerem ao edito imperial. Em vão o pai de Perpétua tentou várias vezes convencê-la de desistir da fé e sacrificar aos deuses. “O que será do seu filho?”, o pai a advertiu, sem sucesso.

Assim, em 7 de março de 203, foi dado o veredicto final: “Perpétua, Felicidade, Revocato, Secúndulo, Saturnino e Saturo são condenados às bestas no Anfiteatro de Cartago” (hoje na Tunísia).

Segundo a história, Saturo não estava entre os condenados, mas voluntariamente compartilhou do martírio de seus irmãos em Cristo.

Perpétua havia feito um pedido especial a Deus, e foi atendida: deu à luz no dia anterior à sua morte e uma amiga cristã adotou seu pequeno filho.

Os condenados deveriam usar uma roupa designada para o espetáculo. Cada roupa fazia menção de um deus romano, de modo que o sentenciado era oferecido como sacrifício àquele deus. Perpétua e Felicidade, e depois seus companheiros, se negaram a usar a “roupa festiva”, como que num último fôlego de testemunho — nem mesmo sua morte se tornaria oferenda para os deuses. Eles entraram na arena com pouquíssima roupa, mas com um brilho e uma alegria de espírito humanamente inexplicáveis. Todos eles tinham consciência de que sua morte seria um testemunho público importante para o avanço da fé cristã.

Felicidade dizia que seu martírio significava para ela não a morte, mas um segundo batismo.

Os homens foram os primeiros a entrar na arena. Dois deles deveriam passar por uma ponte com uma série de obstáculos, entre os quais algumas feras, como leões e tigres, até que chegassem aos gladiadores. Secúndulo morreu na prisão, antes mesmo de chegar à arena. Saturnino foi decapitado e os outros dois morreram durante o espetáculo.

Por último, entraram a jovem senhora e sua companheira. Para elas, foi designada uma bezerra, que investiu primeiramente em Perpétua e em seguida avançou para Felicidade. Perpétua, após recobrar a consciência, ajudou Felicidade a se levantar. Conta-se que escorria leite daquela que amamentara apenas um dia seu filhinho recém-nascido. Elas foram retiradas da arena feridas, para serem mortas pelos gladiadores. A platéia estava exaltada. Queria mais, e exigiu que a morte fosse pública. Elas então morreram na arena, pelas espadas dos gladiadores.

Esta história comovente certamente nos lembra a passagem bíblica que diz: “Eles, pois, venceram [Satanás] por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida” (Ap 12.11). Segundo Tertuliano, o sangue dos mártires é a semente da igreja. Com efeito, o sangue de Perpétua, Felicidade, Revocato, Secúndulo, Saturnino e Saturo foi a semente da igreja no Norte da África. Sua morte deveria ser um presente do imperador Severo para seu filho César Geta. Mas foi muito mais um presente para a igreja.

Os poucos cristãos que vivem naquela região felizmente não estão mais sob o jugo opressor romano. Mas precisam da mesma ousadia e fé para “enxergar além do véu” e enfrentar os obstáculos de oposição e perseguição a que ainda estão sujeitos hoje.

Publicado Originalmente na Revista Ultimato, edição 311 / 2008

domingo, 6 de março de 2011

Aurélio Agostinho, 354-430 d.C. (Biografia I)

Por Jan Tammadge

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 4)


Aurélio Agostinho, conhecido como Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho foi um bispo, escritor, teólogo, filósofo, Padre latino e Doutor da Igreja Católica. Ele é uma das figuras mais importantes no desenvolvimento do cristianismo no Ocidente. Em seus primeiros anos, Agostinho foi fortemente influenciado pelo *maniqueísmo e pelo **neoplatonismo de Plotino, mas depois de tornar-se cristão ele desenvolveu a sua própria abordagem sobre filosofia e teologia. Ele aprofundou o conceito de pecado original e desenvolveu o conceito de Igreja como a cidade espiritual de Deus distinta da cidade material do homem. Seu pensamento influenciou profundamente a visão do homem medieval.

Agostinho nasceu em 354 na cidade de Tagaste, província de Souk Ahras, na época uma província romana no norte de África, na atual Argélia. Seu pai Patrício era pagão mas a mãe Mônica católica. Foi educado no norte de África, na literatura latina e nas práticas e crenças do paganismo resistindo os ensinamentos de sua mãe para se tornar cristão. Com dezessete anos foi para Cartago para continur a sua educação na retórica. Vivendo como um pagão intelectual e se entregando a uma profunda sensualidade ele tomou uma concubina, com a qual teve um filho, Adeodato.

Agostinho se tornou professor de retórica, buscando fama e fortuna estabeleceu uma escola em Roma, onde conheceu a filosofia maniqueísta. Depois de uns anos abandonou o maniqueísmo e abraçou o movimento cético da neoplatonismo. Sua mãe insistia para que ele se tornasse cristão junto com um amigo Simplicianus. Mas foi a oratória do bispo de Milão, Ambrósio, que teve mais influência sobre a conversão de Agostinho.
No verão de 386, houve uma mudança radical na vida do Agostinho. A chave para esta transformação foi à voz de uma criança invisível, que ouviu enquanto estava em seu jardim, que cantava repetidamente, "Tolle, lege"; "tolle, lege" ("toma e lê"; "toma e ler"). Ele tomou a carta de Paulo aos Romanos, e abriu ao acaso em 13:13-14, onde lê-se: "Não caminheis em glutonerias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites". Todas as sombras da dúvida desapareceram. Decidiu se converter ao cristianismo, abandonar a sua carreira na retórica, encerrar sua posição no ensino, desistir de relacoes com a mulher dele, e dedicar-se inteiramente a servir a Deus e às práticas do sacerdócio. Ele encontrou paz e o proposito para a vida que nenhuma moda intelectual pôde prover. Ele experimentou o poder da graça de Deus.

Ambrósio batizou Agostinho, juntamente com seu filho, Adeodato, em 387, em Milão, e logo depois, em 388 ele retornou à África. Em seu caminho de volta à África sua mãe morreu, e logo após também seu filho, deixando-o sozinho, sem família. Ele vendeu seu patrimônio e deu o dinheiro aos pobres. A casa da família foi convertido em uma fundação monástica para si e um grupo de amigos. Em 391, ele foi ordenado sacerdote em Hipona e em 396, foi eleito bispo coadjutor de Hipona. Ele permaneceu nessa posição em Hipona até sua morte em 430.

Agostinho era um homem de poderoso intelecto e um enérgico orador, que em muitas oportunidades defendeu a fé católica contra todos seus inimigos. Um homem que comia com moderação, trabalhou incansavelmente, desprezando fofocas, rejeitando as tentações da carne, e que exerceu a prudência na gestão financeira conforme sua posição e autoridade de bispo. Sua vida não era tranqüila: missa diária, pregando até duas vezes ao dia, dando catequese, administrando bens temporais, resolvendo questões de justiça, atendendo aos pobres e órfãos, etc.

Agostinho foi também um autor prolífico em muitos gêneros — tratados filosóficos, teológicos, comentários de escritos da Bíblia, além de sermões e cartas. Deixou 113 obras escritas.


*O maniqueísmo é uma filosofia religiosa sincrética e dualística que divide o mundo entre Bem, ou Deus, e Mal, ou o Diabo. A matéria é intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom.

**O neoplatonismo é uma forma de monismo idealista. Ensina a existência de um Uno indescritível do qual emanou uma sequência de seres menores. Os neoplatônicos não acreditavam no mal e negavam que este pudesse ter uma real existência no mundo. Algumas coisas eram menos perfeitas que outras. O mal, os neoplatônicos chamavam de imperfeição, de "ausência de bem". A perfeição humana e a felicidade poderiam ser obtidas neste mundo - adquiridas pela devoção à contemplação filosófica.


Sobre o livre arbítrio
Em seu livro do mesmo nome, Agostinho tenta provar de forma filosófica que Deus não é o criador do mal. Pois, para ele, tornava-se inconcebível o fato de que um ser tão bom pudesse ter criado o mal. A concepção que Agostinho teve do mal, estava baseada na teoria platônica, assim o mal não é um ser, mas sim a ausência de um outro ser, o bem. O mal é aquilo que "sobraria" quando não existe mais a presença do bem. Deus seria a completa personificação deste bem, portanto não poderia ter criado o mal.

Agostinho tenta explicar que a origem do mal está no livre-arbítrio concedido por Deus. Deus em sua perfeição, quis criar um ser que pudesse ser autônomo e assim escolher o bem de forma voluntária. O homem, então, é o único ser que possuiria as faculdades da vontade, da liberdade e do conhecimento. Por esta forma ele é capaz de entender os sentidos existentes em si mesmo e na natureza. Ele é um ser capacitado a escolher entre algo bom (proveniente da vontade de Deus) e algo mau (a prevalência da vontade das paixões humanas).

Entretanto, por ter em si mesmo a carga do pecado original de Adão e Eva, estaria constantemente tendenciado a escolher praticar uma ação que satisfizesse suas paixões (a ausência de Deus em sua vida). Deus, portanto, não é o autor do mal, mas é autor do livre-arbítrio, que concede aos homens a liberdade de exercer o mal, ou melhor, de não praticar o bem.

Tempo e Criação
No Livro Confissões Agostinho a fim de responder a asserção: “Do que faria Deus antes de criar o mundo?” o filósofo expõe seu pensamento a respeito do tempo e da criação. A resposta do Agostinho a tal pergunta é a de que Deus não estaria fazendo nada, pois não havia tempo antes desta terra ter sido criado por Deus, pois o tempo nada mais é do que uma criatura assim como o mundo e todas as coisas. Para ele, o tempo e o universo foram criados em conjunto, e Deus estaria fora deste contexto, pois ele é eterno e a eternidade não entra no tempo.

Para o filósofo, o tempo não tem existência por si mesmo e só pode ser apreendido por nossa alma por meio de uma atividade chamada de "distensão da alma". A distensão da alma, nada mais é do que a compreensão dos três tempos; pretérito, presente e futuro na alma, de modo que seja possível lembrar-se do passado, viver o presente e prever o futuro. Agostinho afirma que a alma é quem pode medir o tempo e essa "medição" atesta a existência do tempo apenas em caráter psicológico.

Agostinho tinha uma inteligência clara e um coração inquieto. As contribuições de Agostinho à igreja foram extremamente significativas. Ele foi uma figura de transição na historia da igreja. Ele defendeu o evangelho da graça de Cristo contra muitos oponentes – afirmando a culpa e a corrupção de todos os seres humanos por causa do pecado de Adão e a absoluta necessidade da graça salvadora de Deus. Também apresentou o Deus da Bíblia como um Deus trino, eterno, transcendente, infinito e perfeito (na obra A Trindade). O pensamento de Agostinho foi básico na orientação da visão do homem medieval sobre a relação entre a fé cristã e o estudo da natureza. Ele reconhecia a importância do conhecimento, mas entendia que a fé em Cristo vinha restaurar a condição decaída da razão humana, sendo, portanto mais importante. Agostinho afirmava que a interpretação da Bíblia deveria ser feita de acordo com os conhecimentos disponíveis, em cada época, sobre o mundo natural. Escritos como sua interpretação do livro bíblico do Gênesis, como o que chamaríamos hoje de um "texto alegórico", iriam influenciar fortemente a Igreja medieval, que teria uma visão mais interpretativa e menos literal dos textos sagrados.

Santo Agostinho não se preocupa em traçar fronteiras entre a fé e a razão. Para ele, o processo do conhecimento é o seguinte:
A razão ajuda o homem a alcançar a fé;
em seguida, a fé orienta e ilumina a razão;
e esta, por sua vez, contribui para esclarecer os conteúdos da fé.
Deste modo, não traça fronteiras entre os conteúdos da revelação cristã e as verdades acessíveis ao pensamento racional. O homem é uma alma racional que se serve de um corpo mortal e terrestre.

Pensamentos de Agostinho
  • Milagres não são contrários à natureza, mas apenas contrários ao que nós sabemos sobre a natureza.
  • Se dois amigos pedirem para você julgar uma disputa, não aceite, porque você irá perder um amigo; por outro lado, se dois estranhos pedirem o mesmo, aceite, porque você irá ganhar um amigo.
  • Se você acredita no que lhe agrada nos evangelhos e rejeita o que não gosta, não é nos evangelhos que você crê, mas em você.
  • Ter fé é acreditar naquilo que você não vê; a recompensa por essa fé é ver aquilo em que você acredita.
  • Orgulho não é grandeza, mas inchaço. E o que está inchado parece grande, mas não é sadio.
  • A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.
  • No amor do próximo o pobre é rico; sem amor do próximo o rico é pobre.
  • Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me adulam, porque me corrompem.
  • Se o homem soubesse as vantagens de ser bom, seria homem de bem por egoísmo.


Bibliografia:

  • Eckman James P. Panoram da História da Igreja Vida Nova. São Paulo. 2005
  • Keeley Robin. Fundamentos da Teologia Cristã Vida. São Paulo 2000
  • Cairns Earle. E. O Cristianismo Através dos Séculos São Paulo 1988
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