Publicado Originalmente na Revista Ultimato, edição 311 / 2008
Era o início do terceiro século. O Império Romano tinha se fortificado em toda a região do Mediterrâneo. A sociedade gozava de estabilidade e privilégios — entre eles o de assistir aos jogos.
Naquela época, o imperador Sétimo Severo baixou um edito segundo o qual todos deveriam oferecer sacrifícios aos deuses romanos e ao próprio imperador. O infrator era sentenciado, juntamente com outros criminosos.
Vívia Perpétua, uma jovem senhora da nobreza, e sua empregada Felicidade eram cristãs. Aos 20 anos, grávida, Perpétua foi condenada, juntamente com Felicidade e mais três cristãos, por desobedecerem ao edito imperial. Em vão o pai de Perpétua tentou várias vezes convencê-la de desistir da fé e sacrificar aos deuses. “O que será do seu filho?”, o pai a advertiu, sem sucesso.
Assim, em 7 de março de 203, foi dado o veredicto final: “Perpétua, Felicidade, Revocato, Secúndulo, Saturnino e Saturo são condenados às bestas no Anfiteatro de Cartago” (hoje na Tunísia).
Segundo a história, Saturo não estava entre os condenados, mas voluntariamente compartilhou do martírio de seus irmãos em Cristo.
Perpétua havia feito um pedido especial a Deus, e foi atendida: deu à luz no dia anterior à sua morte e uma amiga cristã adotou seu pequeno filho.
Os condenados deveriam usar uma roupa designada para o espetáculo. Cada roupa fazia menção de um deus romano, de modo que o sentenciado era oferecido como sacrifício àquele deus. Perpétua e Felicidade, e depois seus companheiros, se negaram a usar a “roupa festiva”, como que num último fôlego de testemunho — nem mesmo sua morte se tornaria oferenda para os deuses. Eles entraram na arena com pouquíssima roupa, mas com um brilho e uma alegria de espírito humanamente inexplicáveis. Todos eles tinham consciência de que sua morte seria um testemunho público importante para o avanço da fé cristã.
Felicidade dizia que seu martírio significava para ela não a morte, mas um segundo batismo.

Por último, entraram a jovem senhora e sua companheira. Para elas, foi designada uma bezerra, que investiu primeiramente em Perpétua e em seguida avançou para Felicidade. Perpétua, após recobrar a consciência, ajudou Felicidade a se levantar. Conta-se que escorria leite daquela que amamentara apenas um dia seu filhinho recém-nascido. Elas foram retiradas da arena feridas, para serem mortas pelos gladiadores. A platéia estava exaltada. Queria mais, e exigiu que a morte fosse pública. Elas então morreram na arena, pelas espadas dos gladiadores.
Esta história comovente certamente nos lembra a passagem bíblica que diz: “Eles, pois, venceram [Satanás] por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida” (Ap 12.11). Segundo Tertuliano, o sangue dos mártires é a semente da igreja. Com efeito, o sangue de Perpétua, Felicidade, Revocato, Secúndulo, Saturnino e Saturo foi a semente da igreja no Norte da África. Sua morte deveria ser um presente do imperador Severo para seu filho César Geta. Mas foi muito mais um presente para a igreja.
Os poucos cristãos que vivem naquela região felizmente não estão mais sob o jugo opressor romano. Mas precisam da mesma ousadia e fé para “enxergar além do véu” e enfrentar os obstáculos de oposição e perseguição a que ainda estão sujeitos hoje.
Publicado Originalmente na Revista Ultimato, edição 311 / 2008
Nenhum comentário:
Postar um comentário