A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 32)
Por Alderi Sousa de Matos
William Seymour
Introdução
O objetivo deste estudo é refletir sobre
um fenômeno recente e controvertido do cenário religioso do Brasil que é
o movimento neopentecostal. Esse movimento é importante por causa do
grande impacto que tem causado e pela visibilidade que tem adquirido nos
últimos anos na sociedade brasileira. Os métodos arrojados e agressivos
da Igreja Universal do Reino de Deus, o estilo de vida sofisticado do
casal que dirige a Igreja Renascer em Cristo, os onipresentes programas
de televisão das igrejas neopentecostais, os testemunhos de fé de
artistas, atletas e outras celebridades, tudo isso e muito mais tem
contribuído para tornar esse movimento conhecido e discutido.
O impacto do neopentecostalismo tem sido
particularmente sentido pelas igrejas evangélicas do Brasil. O
protestantismo brasileiro não é mais o mesmo desde que surgiu o novo
movimento. Esse impacto tem sido experimentado de duas maneiras:
primeiramente, muitas igrejas, sejam elas históricas ou pentecostais,
têm perdido membros para o neopentecostalismo; em segundo lugar, essas
igrejas, especialmente as históricas ou tradicionais, tem sido
influenciadas em sua teologia, liturgia e organização pelas práticas
neopentecostais. O “sucesso” do novo movimento tem sido especialmente
cativante para os líderes de muitas igrejas, levando-os a acreditar que,
se adotarem os mesmos métodos e ênfases, suas igrejas também irão obter
o tão sonhado crescimento.
O objetivo deste estudo não é
simplesmente criticar ou condenar o movimento neopentecostal como um
todo. A Igreja Presbiteriana do Brasil já tem se pronunciado
oficialmente sobre a questão, reconhecendo que as igrejas
neopentecostais são cristãs e são evangélicas. Todavia, tais igrejas
apresentam desvios ou distorções em seus ensinos e práticas que as
afastam do cristianismo histórico em alguns aspectos e que, mais
especificamente, as põem em conflito com a fé reformada.[1] À luz da
Confissão de Fé de Westminster, podemos considerá-las como “igrejas
menos puras”. Diz a Confissão de Fé que a Igreja de Cristo “tem sido ora
mais, ora menos visível. As igrejas particulares, que são membros dela,
são mais ou menos puras conforme nelas é, com mais ou menos pureza,
ensinado e abraçado o Evangelho, administradas as ordenanças e celebrado
o culto público. As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à
mistura e ao erro...” ( cap. 25, itens IV e V).
Por outro lado, essa reflexão deve
conduzir-nos a uma séria autocrítica e ao reconhecimento de que o novo
movimento tem ocupado espaços que já deveriam ter sido ocupados pelas
igrejas mais antigas, inclusive a presbiteriana. Portanto, o propósito
desta análise é tríplice: conhecer melhor o neopentecostalismo em seus
diferentes ângulos; identificar os seus pontos fracos nas áreas já
aludidas; apontar maneiras como melhor se pode enfrentar esse desafio e
quais as áreas em que as igrejas reformadas devem progredir.
É importante ressaltar que não se
pretende nem é possível neste breve estudo fazer uma análise profunda e
exaustiva do neopentecostalismo. Para tomar apenas a área da doutrina,
existem dezenas de questões altamente complexas sobre os quais muitos
livros têm sido escritos. O interesse primordial é dar uma visão ampla
do movimento e destacar os seus aspectos mais relevantes no que diz
respeito à igreja presbiteriana.
Inicialmente será feita uma breve
abordagem histórica, destacando alguns exemplos interessantes de
movimentos “carismáticos” ao longo da história da igreja até se chegar
ao pentecostalismo brasileiro. Em seguida, se fará um apanhado das
principais peculiaridades desse movimento nas áreas da teologia, culto,
métodos, liderança e ética. Procurar-se-á avaliar esses pontos à luz das
Escrituras e da fé reformada.
1. Aspectos históricos
São mencionados a seguir alguns poucos
exemplos ilustrativos de movimentos e fenômenos carismáticos extraídos
da história da igreja.
1.1 A igreja primitiva
1.1.1 Corinto
Já nos dias da igreja primitiva houve a
ocorrência de manifestações que hoje chamamos de carismáticas. O exemplo
clássico é o da comunidade cristã de Corinto. Como todos sabem, naquela
igreja apostólica houve manifestações extraordinárias de línguas,
profecias e outros fenômenos. Todavia, tais manifestações estavam
diretamente associadas com muitos dos problemas e conflitos vividos por
aquela comunidade. Era como se os dons do Espírito, ao invés de serem um
fator de união, estivessem sendo um fator de divisão no corpo de
Cristo. Portanto, desde o início os fenômenos carismáticos foram um
elemento tanto de vitalidade quanto de controvérsia no seio da
cristandade. Curiosamente, tais fenômenos espetaculares parecem ter
estado especialmente ligados à igreja de Corinto. Pouco se diz a
respeito dos mesmos nos outros documentos do Novo Testamento (por
exemplo, as línguas são mencionadas apenas em Mc 16.17; At 2.3-11;
10.46; 19.6; e 1 Co 12-14). Parece que nas outras igrejas apostólicas,
essas manifestações eram inexistentes, moderadas ou exercidas de modo
mais equilibrado e menos egocêntrico do que em Corinto.
1.1.2 Montanismo
Com o passar do tempo, o exercício dos
ministérios e dons carismáticos entrou em declínio na vida da igreja.
Uma das razões principais foi a luta contra as heresias que caracterizou
os primeiros séculos do cristianismo. Houve casos em que as
manifestações carismáticas estavam associadas com ensinos e práticas que
a igreja antiga considerou divergentes da fé bíblica e apostólica. Um
bom exemplo disso foi o movimento conhecido como montanismo ou “nova
profecia”, que surgiu por volta do ano 157 na Frígia, uma província da
Ásia Menor. Dizendo-se inspirado pelo Espírito Santo, um cristão chamado
Montano começou a profetizar extaticamente, sendo seguido por duas
profetizas, Priscila e Maximila. Eles afirmavam serem os últimos de uma
linhagem de profetas e convocaram os crentes a se prepararem para a
descida da Jerusalém Celestial. O montanismo teve algumas ênfases
positivas (o Espírito Santo, a santidade da igreja) e chegou a atrair um
grande teólogo, Tertuliano, que abraçou o movimento. Ao fim, todavia, a
“nova profecia” foi rejeitada pela igreja, principalmente por seu
emocionalismo, desobediência às autoridades da igreja e revelações
extrabíblicas. Os profetas montanistas afirmavam receber comunicações
diretas de Deus, e as suas profecias ou oráculos eram considerados como
normativos pelos seguidores, praticamente no mesmo nível das Escrituras.
Além disso, foram acusados de falsas profecias, pois suas previsões
acerca do iminente final dos tempos não se cumpriram. Mesmo assim, o
montanismo subsistiu por vários séculos.
Durante a Idade Média, continuaram a
surgir movimentos esporádicos que tinham as mesmas características
básicas do montanismo. Mais tarde, com a Reforma do século 16, também
houve ocorrências similares entre grupos protestantes, como foi o caso
de alguns anabatistas e dos quakers. Os quakers surgiram na Inglaterra,
no século 17, sob a liderança de George Fox (1624-1691), que pregou a
mensagem da “nova era do Espírito.” O movimento enfatizava a “luz
interior,” ou comunicações diretas do Espírito, que eram tão importantes
quanto as Escrituras. Nas suas reuniões, os quakers aguardavam que o
Espírito Santo falasse a eles e através deles.
1.2 O século 19
1.2.1 Edward Irving
Um interessante exemplo do início do
século 19 é o de Edward Irving (1792-1834), considerado um dos
precursores do moderno movimento carismático.[2] Irving era um pastor da
Igreja Presbiteriana da Escócia que se transferiu para Londres após um
ministério inicial em Glasgow. Logo, seus dotes de oratória, seu carisma
pessoal e suas mensagens ungidas começaram a atrair grandes multidões à
igreja que pastoreava. Ele passou a fazer parte de um grupo que se
reunia para estudar escatologia. Convicto da iminente volta de Cristo, o
grupo passou a orar por um derramamento do Espírito. No início da
década de 1830, após surgirem algumas manifestações carismáticas na
Escócia, houve a ocorrência de línguas e profecias na igreja de Irving,
que as considerou uma obra do Espírito Santo. Em 1832, Irving foi
afastado do pastorado da igreja, sendo acompanhado por cerca de 600
seguidores, que criaram uma nova denominação, a Igreja Católica
Apostólica, caracterizada por uma eclesiologia complexa e uma liturgia
altamente elaborada, além da sua ênfase carismática. No ano seguinte,
Irving foi deposto do ministério sob acusação de heresia. Ele afirmava
que Cristo havia nascido com uma natureza humana pecaminosa, que foi,
todavia, preservada sem pecado e incorruptível graças à atuação do
Espírito Santo. No final de 1834, Irving veio a falecer com apenas 42
anos, vitimado pela tuberculose. Nos seus últimos meses de vida, ele
estava convicto de que seria curado da sua enfermidade; porém, a cura
não veio e ele deixou de tomar precauções que talvez pudessem ter
evitado sua morte prematura.
1.2.2 Miguel Vieira Ferreira
Um exemplo mais próximo de um movimento
com características carismáticas é aquele ligado ao Dr. Miguel Vieira
Ferreira (1837-1885), um antigo membro da Igreja Presbiteriana do Rio
Janeiro. Dr. Miguel era membro de uma família aristocrática do Maranhão e
formou-se em engenharia na então capital do império. Antes de ingressar
na Igreja Presbiteriana, havia tido contatos com o espiritismo. Foi
recebido como membro da Igreja do Rio de Janeiro em 1874, durante o
pastorado do Rev. Alexander L. Blackford. No início, teve um
comportamento incomum. Certa vez, terminado o culto, permaneceu cerca de
meia hora totalmente imóvel, sem poder mover as mãos ou os pés e abrir
os olhos. Mais tarde, foi eleito presbítero e acompanhou o Rev.
Blackford em viagens evangelísticas. O pastor-auxiliar da Igreja do Rio,
Rev. Dilwin M. Hazlett, ocupado que estava com uma tipografia de sua
propriedade, deixou o Dr. Miguel ocupar o púlpito da igreja. Este
começou a fundamentar o seu ensino em sonhos e visões, pretendendo ter
revelações diretas do céu (“Deus fala e quer falar de viva voz aos
homens”). Em 1879, foi suspenso do presbiterato e da comunhão. Ele
deixou a igreja presbiteriana com outros 27 membros e fundou a Igreja
Evangélica Brasileira, que perdura até os dias atuais.[3]
1.3 O século 20
1.3.1 O pentecostalismo
O início do século 20 testemunhou um dos
eventos mais marcantes da história do cristianismo. Fenômenos que até
então haviam ocorrido um tanto esporadicamente, entre grupos
minoritários, passaram a ser parte de um influente e vasto movimento
composto de milhões de adeptos. Em muitos países, os pentecostais
passaram a constituir a grande maioria dos evangélicos.
O pentecostalismo resultou de uma
somatória de influências: o movimento pietista do século 18, os grandes
despertamentos nos Estados Unidos, o metodismo de João Wesley e, mais
especificamente, o chamado movimento de “santidade” (holiness) do final
do século 19. A busca de avivamento e de santificação, ao lado de uma
forte expectativa do final dos tempos, levou muitos cristãos à convicção
de que haveria um derramamento especial do Espírito Santo, evidenciado
pela ocorrência de manifestações sobrenaturais semelhantes àquelas
mencionadas no Novo Testamento.[4]
Um importante pioneiro foi Charles Fox
Parham (1873-1929), que fora criado em igrejas metodistas e “holiness,” e
passou a ensinar aos seus alunos no Kansas e no Texas que os crentes
deviam esperar um batismo “com o Espírito Santo e com fogo”. O
evangelista R. A. Torrey (1856-1928), outrora companheiro de Dwight L.
Moody, fez uma turnê mundial de reavivamento que teve o efeito de
aproximar muitas pessoas que mais tarde iriam participar do movimento
pentecostal. Finalmente, o evento decisivo ocorreu em um reavivamento
iniciado em 1906 na Missão Fé Apostólica, na Rua Azusa, em Los Angeles,
onde um ex-aluno de Parham, o pregador negro William J. Seymour
(1870-1922) iniciou uma longa série de reuniões que enfatizavam o falar
em línguas como evidência do batismo com o Espírito Santo, a marca
registrada do pentecostalismo. Logo, o movimento difundiu-se para outras
cidades norte-americanas (especialmente Chicago) e para outros países.
1.3.2 O pentecostalismo no Brasil
Pouco tempo depois do seu surgimento nos
Estados Unidos o movimento pentecostal chegou ao Brasil. Quase que
simultaneamente, duas igrejas pentecostais iniciaram suas atividades em
solo brasileiro, uma no sul e a outra no norte do país. Em poucas
décadas, esse movimento haveria de transformar de modo permanente e
profundo a face do protestantismo nacional.
Em um conhecido ensaio sobre o
pentecostalismo brasileiro, Paul Freston observa que a história desse
movimento pode ser dividida em três “ondas” de implantação de
igrejas.[5] A primeira onda iniciou-se na década de 1910, com a chegada
da Congregação Cristã no Brasil (1910) e da Assembléia de Deus (1911). A
Congregação Cristã foi fundada pelo italiano Luigi Francescon
(1866-1964), que emigrou para os Estados Unidos, converteu-se ao
evangelho, tornou-se um dos fundadores da Igreja Presbiteriana Italiana,
em Chicago, e eventualmente foi alcançado pelo nascente movimento
pentecostal. Chegou ao Brasil em 1910, em resposta a uma profecia para
que levasse a obra pentecostal aos seus patrícios. Iniciou as suas
atividades entre imigrantes italianos residentes em São Paulo e Santo
Antonio da Platina, no Paraná. Já a Assembléia de Deus brasileira
resultou dos esforços de dois suecos de origem batista, Gunnar Vingren
(1879-1933) e Daniel Berg (1885-1963), que igualmente emigraram para os
Estados Unidos e foram alcançados pelo movimento pentecostal na cidade
de Chicago. Os dois obreiros fixaram-se em Belém do Pará, onde passaram a
freqüentar a igreja batista, cujo pastor também era de nacionalidade
sueca. Alguns meses mais tarde, a mensagem pentecostal de Vingren e Berg
produziu um cisma na igreja, surgindo assim o primeiro grupo da nova
denominação.
Essas igrejas virtualmente dominaram o
campo pentecostal durante 40 anos, pois as suas rivais eram poucas e
inexpressivas.[6] Das duas pioneiras, a Assembléia de Deus foi a que
mais se expandiu numérica e geograficamente, a ponto de ser praticamente
a única expressão do protestantismo em alguns estados do norte.[7] A
Congregação Cristã no Brasil, após um período em que ficou mais limitada
à comunidade italiana, sentiu a necessidade de assegurar a sua
sobrevivência por meio do trabalho entre os brasileiros.[8] Após um
rápido crescimento inicial, foi ultrapassada pela Assembléia de Deus no
final dos anos 40.
A segunda onda pentecostal ocorreu na
década de 50 e início dos anos 60, quando o campo pentecostal se
fragmentou e surgiram, entre muitos outros, três grandes grupos ainda
ligados ao pentecostalismo clássico: a Igreja do Evangelho Quadrangular
(1951), a Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo (1955) e a
Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962), todas elas acentuando de maneira
especial a cura divina. Essa segunda onda começou quando a urbanização e
o surgimento de uma sociedade de massas possibilitam um crescimento
pentecostal que rompeu com as limitações dos modelos existentes,
especialmente em São Paulo. Freston argumenta que o estopim foi a
chegada da Igreja Quadrangular, com seus métodos arrojados, forjados
precisamente no berço dos modernos meios de comunicação de massa, a
Califórnia do período entre as duas guerras mundiais.[9] Todavia, quem
lucrou com o novo modelo, no primeiro momento, não foi a Igreja
Quadrangular, excessivamente estrangeira, e sim a sua criativa
dissidência nacionalista, a Igreja O Brasil para Cristo.
A Igreja do Evangelho Quadrangular foi
fundada nos Estados Unidos pela controvertida evangelista Aimee Semple
McPherson (1890-1944) e chegou ao Brasil através do missionário Harold
Williams, um ex-ator de filmes de faroeste, que fundou a primeira igreja
em novembro de 1951 em São João da Boa Vista, São Paulo. Em 1953 teve
início a Cruzada Nacional de Evangelização, sendo Raymond Boatright o
principal evangelista. Desde então a Igreja Quadrangular tem crescido
constantemente, sendo uma de suas peculiaridades a forte ênfase dada ao
ministério feminino.[10]
Um dos primeiros pastores da Igreja
Quadrangular brasileira foi um ex-evangelista da Assembléia de Deus
chamado Manoel de Mello. Em 1956, ele separou-se da Cruzada Nacional de
Evangelização, organizando a campanha “O Brasil Para Cristo”, da qual
eventualmente surgiu a igreja de mesmo nome. Manoel de Mello surpreendeu
o mundo evangélico em 1969, quando filiou a sua igreja ao Conselho
Mundial de Igrejas, filiação essa que perdurou até 1986.[11] Em 1979, a
Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil Para Cristo inaugurou o seu
gigantesco templo em São Paulo, sendo orador oficial Philip Potter,
secretário-geral do CMI, e estando entre os presentes o cardeal
arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns.[12]
Outra importante denominação da segunda
onda pentecostal, a Igreja Deus é Amor, foi fundada por David Miranda
(nascido em 1936), filho de um agricultor do Paraná. Vindo para São
Paulo, converteu-se numa pequena igreja pentecostal e em 1962 iniciou a
sua igreja em Vila Maria. Pouco depois, a igreja transferiu-se para o
centro da cidade e em 1979 foi adquirida a “sede mundial” da Baixada do
Glicério, um dos maiores templos evangélicos do Brasil, com capacidade
para dez mil pessoas.[13]
A terceira onda histórica do
pentecostalismo brasileiro começou no final dos anos 70 e ganhou força
na década de 80. Sua representante máxima é a Igreja Universal do Reino
de Deus (1977), mas existem outros grupos expressivos como a Igreja
Internacional da Graça de Deus (1980), as Comunidades Evangélicas,
Igreja Renascer em Cristo, Comunidade Sara Nossa Terra, etc. Segundo
Paul Freston, essas igrejas representam “uma atualização inovadora da
inserção social e do leque de possibilidades teológicas, litúrgicas,
éticas e estéticas do pentecostalismo”.[14] A terceira onda começou após
a modernização autoritária do país, principalmente na área das
comunicações, quando a urbanização já atingia dois terços da população, o
milagre econômico estava exaurido e iniciava-se a “década perdida” dos
anos 80. A onda começou e se firmou no Rio de Janeiro economicamente
decadente, com sua violência, máfias de jogo e política populista. O
novo pentecostalismo, também denominado “pentecostalismo autônomo”[15]
por alguns estudiosos, adaptou-se facilmente à cultura urbana
influenciada pela televisão e pela ética da nova geração. Uma das
características do movimento é o uso inteligente dos meios de
comunicação de massa, nacionalizando um pentecostalismo bem-sucedido nos
Estados Unidos.[16]
Uma importante precursora dos grupos
neopentecostais foi a Igreja de Nova Vida, fundada pelo canadense Robert
McAlister, que rompeu com a Assembléia de Deus em 1960. A Nova Vida foi
pioneira de um pentecostalismo de classe média, menos legalista, e
investiu fortemente na mídia. Foi também a primeira igreja pentecostal a
adotar o episcopado no Brasil. Sua maior contribuição foi ter sido um
“estágio” para futuros líderes. Trabalhou com homens um pouco mais
cultos e conhecedores do mundo que os líderes da primeira e segunda
ondas, e sugeriu-lhes um modelo pentecostal mais culturalmente solto.
Deu-lhes também uma formação indispensável para que se tornassem
independentes: segundo um ex-pastor, “a primeira coisa que aprendi na
Nova Vida foi como levantar uma boa oferta”.[17] Em sintonia com isso, a
mensagem devia ser sempre positiva. Era o transplante do que havia de
mais recente na religião americana, no estilo dos novos pregadores
televisivos. A Vida Nova foi berço de três grupos da terceira onda: a
IURD, a Igreja Internacional da Graça de Deus (fundada por Romildo R.
Soares, cunhado de Edir Macedo, após um cisma na IURD) e a Igreja Cristo
Vive.
Uma influência significativa na Igreja de
Vida Nova e no surgimento do movimento neopentecostal como um todo foi a
incipiente renovação carismática norte-americana. Esse movimento surgiu
de modo distinto no início dos anos 60 com a ocorrência de fenômenos
pentecostais fora das estruturas denominacionais do pentecostalismo
clássico, ou seja, nas chamadas igrejas históricas e em grupos não
denominacionais.[18] No Brasil, a chamada “renovação” produziu divisões
em quase todas as igrejas históricas, com a criação de grupos como a
Igreja Batista Nacional, a Igreja Metodista Wesleyana e a Igreja
Presbiteriana Renovada. Para tornar esse quadro ainda mais complexo, os
anos 60 também testemunharam o aparecimento da “renovação carismática
católica”, que, apesar de uma relação nem sempre fácil com a hierarquia,
tem adquirido crescente visibilidade em anos recentes. Em contraste com
o pentecostalismo clássico, o movimento carismático, seja em sua
modalidade evangélica ou católica, tem atraído principalmente pessoas de
classe média, daí a sua maior preocupação com o decoro e a
respeitabilidade do que se vê nos grupos populares.
Ao lado das manifestações espirituais
extraordinárias como glossolália, curas, profecias e exorcismo, os
carismáticos e neopentecostais brasileiros caracterizam-se por uma forte
ênfase na “teologia da prosperidade,” outra influência norte-americana,
difundida por líderes como Kenneth Hagin e Benny Hinn. Este tem sido um
dos principais elementos do maior fenômeno ocorrido no protestantismo
brasileiro nas últimas décadas: a Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD).[19] A igreja foi fundada por Edir Macedo (nascido em 1944),
filho de um comerciante fluminense. Macedo trabalhou por 16 anos na
Loteria do Estado do Rio de Janeiro, período em que subiu de contínuo
até um cargo administrativo. De origem católica, ele ingressou na Igreja
de Nova Vida na adolescência, deixando essa igreja para fundar a sua
própria, inicialmente denominada Igreja da Bênção. Em 1977, deixou o
emprego público para dedicar-se integralmente ao trabalho religioso.
Nesse mesmo ano surgiu o nome Igreja Universal do Reino de Deus e o
primeiro programa de rádio. Macedo residiu nos Estados Unidos de 1986 a
1989. Quando retornou ao Brasil, transferiu a sede da igreja para São
Paulo e adquiriu a Rede Record. Em 1990, a IURD elegeu três deputados
federais. Macedo esteve preso por doze dias em 1992, sob a acusação de
estelionato, charlatanismo e curandeirismo.[20] O acontecimento que deu
maior publicidade à IURD nos últimos anos foi o episódio do “chute na
santa,” quando, em um programa de televisão transmitido em 12 de outubro
de 1995, o bispo Sergio von Helde referiu-se de modo desairoso à virgem
Maria, dando alguns chutes numa imagem da mesma.[21]
Outro grupo neopentecostal que também dá
grande ênfase à teologia da prosperidade e tem despertado muito atenção
da imprensa nos últimos meses é a Igreja Renascer em Cristo, fundada em
1985 pelo “apóstolo” Estevam Hernandes e sua esposa, a bispa ou
“episcopisa” Sônia Hernandes. À semelhança de outros líderes
pentecostais, Estevam teve uma origem humilde como filho de um
jardineiro de cemitério e começou a trabalhar aos 7 anos, fazendo
carreto em feiras livres. Mais tarde, desiludido com o catolicismo,
filiou-se a uma igreja pentecostal, onde conheceu a futura esposa. Sete
anos depois, casaram-se e decidiram fundar sua própria igreja, que hoje
conta com cerca de 50 mil fiéis e mais de 200 templos.[22] À semelhança
dos pastores da IURD, o casal Hernandes tem grande habilidade em
conseguir contribuições dos fiéis; todavia, ao contrário de Edir Macedo,
ostenta com orgulho sinais de riqueza, como roupas caras, jóias e
automóveis importados. O casal é proprietário da rentável Rede Gospel de
Comunicação e procurou assumir o controle da Rede Manchete de
televisão.
Devido às suas características
intrínsecas e à sua capacidade de adaptação às necessidades e
expectativas de vastos setores da população brasileira, o movimento
neopentecostal está longe de perder o seu ímpeto. É possível que surjam
novos segmentos e os antigos grupos tomem rumos ainda insuspeitados.
2. Características do neopentecostalismo
Obviamente,
o neopentecostalismo ou “pentecostalismo autônomo”[23] partilha das
mesmas convicções, valores e práticas do pentecostalismo clássico:
ênfase nos dons espirituais, especialmente os mais extraordinários
(línguas, profecias, curas); forte emotividade, especialmente nos
cultos; ênfase à pessoa e atividade do Espírito Santo; valorização da
figura do líder (o “ungido do Senhor”); preocupação constante com as
forças do mal; e grande ênfase ao conceito de “poder.”
Todavia, os grupos neopentecostais
distinguem-se da sua matriz ou por darem uma ênfase incomum a
determinados aspectos da herança pentecostal (por exemplo, curas,
revelações e exorcismo), ou por adotarem novas idéias e práticas, muitas
delas provindas dos Estados Unidos (como batalha espiritual, o
“evangelho” da prosperidade, maldição hereditária e assim por diante).
Aliás, um dos traços mais marcantes do neopentecostalismo é sua
criatividade, sua capacidade de inovação. No esforço de manter o
interesse dos fiéis e evitar a rotina, continuamente são apresentados
novos slogans, ensinos e práticas. O melhor exemplo é a Igreja Universal
do Reino de Deus, com suas correntes de oração e suas campanhas de
prosperidade (por exemplo, a “fogueira santa de Israel”).
É curioso como a América do Norte
continua a ser a fonte de inspiração para os neopentecostais
brasileiros, assim como o foi e continua sendo para os pentecostais
clássicos. Autores e pregadores como Kenneth Hagin, Morris Cerullo e
Benny Hinn têm exercido poderosa influência através dos seus livros,
vídeos, programas de televisão e visitas ao Brasil. Benny Hinn tem sido
especialmente influente por encarnar alguns dos valores mais apreciados
em muitos círculos neopentecostais, como o sucesso e a prosperidade,
apesar de muitos de seus ensinos serem questionados por diferentes
observadores. Há alguns anos os fenômenos ocorridos na famosa Igreja do
Aeroporto de Toronto, no Canadá, também despertaram enorme curiosidade e
desejo de imitação. Essa igreja inicialmente estava filiada ao
ministério Vineyard, fundado por John Wimber na Califórnia, sendo depois
desligada do mesmo devido aos seus excessos. A chamada “bênção de
Toronto” incluía práticas como gargalhadas incontroláveis (o “riso
santo”), cair no Espírito, ficar estendido no carpete, emitir sons de
animais (urros, latidos), tudo supostamente como conseqüência da
presença do Espírito Santo.
Vejamos de modo mais específico algumas características neopentecostais nas áreas doutrinária e prática.
2.1. Atitude quanto às Escrituras
A questão básica, da qual decorrem todas
as demais, tem a ver com o lugar ocupado pelas Escrituras na teologia
das igrejas neopentecostais. Três fatores, entre outros, contribuem para
tornar relativo o valor das Escrituras em muitas igrejas:
(a) A ênfase na experiência: quando a
experiência pessoal se torna um critério de verdade, a Escritura tende a
ficar em segundo plano; se, por exemplo, uma determinada prática produz
resultados ou faz a pessoa sentir-se bem, isso é o que importa.
(b) O apelo a revelações: obviamente, se
alguém acredita que Deus continua a revelar-se de maneira direta,
imediata, isso tende a relativizar as Escrituras; elas não mais são a
revelação final de Deus, a única regra de fé e prática para o crente.
Quando um pregador diz “o Senhor me revelou ou o Senhor me mostrou isso
ou aquilo”, tudo pode acontecer, e é proibido questionar, pois é palavra
do Senhor.
(c) Uso questionável das Escrituras:
quando as Escrituras são utilizadas, muitas vezes isso é acompanhado de
interpretações tendenciosas, uso seletivo de certas passagens ou ênfases
inadequadas. Muitos ensinos e práticas neopentecostais têm alguma
fundamentação bíblica, mas recebem uma ênfase muito maior do que se vê
nas próprias Escrituras, no ensino de Cristo e dos apóstolos ou na
prática da igreja primitiva. Veremos adiante alguns exemplos disso.
Nesse aspecto, os reformadores do século 16 têm muito a nos ensinar:
Em primeiro lugar, com o seu princípio
fundamental de “sola Scriptura”. Ou seja, reagindo contra as tradições
extrabíblicas do catolicismo medieval, os reformadores afirmaram que
somente a Escritura deve ser a norma, o padrão de fé e de conduta para o
cristão. Tudo o que não está de acordo com as Escrituras ou que não
pode ser claramente fundamentado nelas, deve ser firmemente rejeitado.
Em segundo lugar, através de princípios
saudáveis e equilibrados de interpretação bíblica: não isolar o texto do
seu contexto, considerar o que a Bíblia inteira diz acerca de um
determinado assunto (a “analogia da Escritura”), levar em conta as
circunstâncias em que o texto ou livro foi escrito e a intenção original
do autor (método histórico-gramatical).
Em terceiro lugar, mostrando que não se
deve fazer separação entre o Espírito e a Palavra. Sendo o Espírito
Santo o autor último das Escrituras, ele não pode dizer uma coisa na
Bíblia e outra coisa através de revelações especiais que conflitam com a
Escritura. Por exemplo, ele não pode dizer na Bíblia que ninguém sabe o
dia da volta de Cristo e depois revelar a alguém que Cristo vai voltar
no ano tal e tal.
Neste último ponto, Calvino foi muito
enfático em suas Institutas (Livro I, Capítulo IX), ao condenar os
“entusiastas” ou “libertinos” que queriam chegar a Deus por outros meios
que não as Escrituras. O reformador aponta para a reverência
demonstrada pelos primeiros cristãos para com a Escritura e mostra a
contínua importância, necessidade e validade da Palavra de Deus escrita
(2 Tm 3.16-17). O Espírito Santo foi enviado, não para revelar coisas
novas, mas para lembrar aos cristãos o que Cristo havia ensinado (Jo
14.26). Qualquer “revelação” que vá além do evangelho bíblico deve ser
rejeitada como mentirosa (Gl 1.6-9). O Espírito Santo sempre atua em
consonância com as Escrituras, que dele provêm. Por outro lado, é o
testemunho interno do Espírito que nos permite reconhecer a Escritura
como Palavra de Deus e experimentar a sua eficácia.
2.2 Ensinos e práticas
Vejamos alguns ensinos e práticas
neopentecostais que revelam um entendimento equivocado das Escrituras ou
ênfases incompatíveis com as mesmas. É importante lembrar que nem todas
as igrejas apresentam as mesmas ênfases.
(a) Confissão positiva: esse ensino
também é conhecido como “palavra da fé”. Segundo o mesmo, se o cristão
crê firmemente em algo e o declara de modo convicto e explícito, aquilo
que ele confessa irá acontecer, pelo poder da fé. Assim, a fé é vista
como um poder que tem eficácia em si mesmo. A idéia é que Deus já nos
deu as suas bênçãos, as suas promessas. A única coisa que temos a fazer é
nos apropriar das mesmas, pela fé. A fé libera o poder e as bênçãos de
Deus. Sem essa fé, Deus nada pode fazer. E o que ativa essa força ou
poder da fé são as palavras. Se alguém fala palavras de fé, obtém bons
resultados e vice-versa (confissão positiva ou negativa). Tudo o que nos
acontece é conseqüência direta das nossas palavras. (Esses ensinos
foram emitidos por autores como Kenneth Copeland e Kenneth Hagin.)[24]
Esse conceito faz da fé e das palavras de
fé algo mágico, supersticioso, como um talismã. A Escritura ensina que a
fé é um dom de Deus e que Deus atua e abençoa mediante a fé ou
independentemente dela, como Senhor que é. Por outro lado, fé não
significa força ou poder, mas uma atitude de confiança e dependência de
Deus.
Associada com a confissão positiva está a
idéia de posse, herança, como nas palavras de um conhecido corinho:
“Tudo que o Senhor conquistou na cruz, é direito nosso, é nossa
herança”. Assim, o crente deve “exigir” que Deus conceda as bênçãos e
cumpra as promessas. Com isso, o relacionamento com Deus deixa de ser
baseado na sua livre e soberana graça para concentrar-se em direitos e
exigências.
(b) Saúde e prosperidade: essa é outra
criação norte-americana que tem exercido um fascínio tremendo em um país
carente de recursos como o Brasil. Na realidade, essa ênfase está mais
de acordo com os valores da cultura americana do que com os valores do
evangelho. Certamente Deus promete bênçãos materiais aos seus filhos,
entre as quais se incluem saúde física e prosperidade financeira.
Todavia, isso nunca foi uma parte central da mensagem pregada por Cristo
ou pelos apóstolos. Esses temas nunca tiveram nos ensinos e na pregação
deles o destaque que ocupa no culto e na vida de tantas igrejas
modernas.
Um dos aspectos mais preocupantes é a
insistência unilateral em bênçãos materiais, muitas vezes em detrimento
de saúde e prosperidade na vida espiritual, no relacionamento com Deus,
na vida emocional, nas relações familiares, na vida comunitária. Essa
preocupação materialista e individualista casa-se muito bem com os
interesses da sociedade de consumo, mas não com o evangelho que nos
conclama a repartir, a ser solidários com os outros, que nos convida a
amar a Deus pelo que Deus é, independentemente do que ele possa nos dar.
A Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD) é a que mais se destaca nessa área, pois que toda a sua atividade
gira em torno do trinômio exorcismo-cura-prosperidade. Daí vermos, pela
TV ou em outros ambientes, cenas desagradáveis de pregadores que
condicionam o recebimento de bênçãos à entrega das maiores ofertas
possíveis, ou, como costumam dizer, ao “sacrifício” dos fiéis. Esse não é
o evangelho da graça anunciado por Cristo e pregado pela igreja
apostólica, um evangelho que não se baseia em merecimentos humanos ou
conquistas humanas, mas que se fundamenta no amor de Deus oferecido
gratuitamente em Cristo. (“De graça recebestes, de graça daí” – Mt
10.8b; ver 1 Co 2.12). Jesus ensinou claramente os seus discípulos a não
buscarem prioritariamente bênçãos materiais, e sim a buscarem em
primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, “e todas estas coisas
[alimento, vestes, saúde] vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).
(c) Batalha espiritual:[25] dentre as
várias correntes de batalha espiritual, uma das mais populares no Brasil
é aquela liderada por C. Peter Wagner, diretor e professor da Escola de
Missões Mundiais do Seminário Fuller, na Califórnia. Wagner é também um
dos principais expoentes do “movimento do crescimento da igreja”. Um
ensino característico dessa corrente é a noção de “espíritos
territoriais”, isto é, demônios que mantêm determinadas regiões
geográficas sob o domínio da incredulidade e do pecado. No Brasil, uma
das principais divulgadoras dessas idéias é a autora Neuza Itioka, que
já escreveu vários livros sobre o assunto.
A batalha espiritual vê a realidade acima
de tudo em termos de um conflito mortal entre Deus e o maligno, tendo
como campo de batalha o mundo e as vidas dos crentes. Deus passa a ser
visto como um Deus guerreiro, um “homem de guerra”, e existe um grande
número de corinhos que explora essa temática. Com muita freqüência essa
questão é abordada em termos triunfalistas: como o Senhor está ao nosso
lado, ninguém pode conosco, nenhum mal nos atingirá, como afirmam certos
versículos dos Salmos e outros livros. Nos últimos anos,
incorporaram-se ao vocabulário evangélico certas expressões que antes
nunca haviam sido usadas pelos crentes: “Eu repreendo isso ou aquilo” ou
“Está amarrado em nome de Jesus”.
Novamente, o problema com esse ensino não
é o seu caráter extrabíblico. A Escritura certamente fala, e muito,
sobre o conflito entre Deus (e seus filhos) e as hostes do mal, como na
conhecida passagem de Efésios 6.10-20. O problema está em certas
implicações ou conclusões, nem sempre fundamentadas de modo claro nas
Escrituras, mas derivadas da imaginação fértil dos autores. Alguns
exemplos: demônios territoriais, cristãos possuídos pelo demônio,
demônios com nomes fantasiosos, demônios coloridos ou mal-cheirosos e
assim por diante. Nada disso é apoiado pelas Escrituras.
Outra tendência preocupante é relacionar
todo problema ou pecado com algum demônio. Se a pessoa é preguiçosa,
está possuída ou influenciada pelo demônio da preguiça; se é ansiosa ou
depressiva, está sob a influência do demônio da depressão. Daí a
preocupação em expulsar ou em amarrar demônios a torto e a direto. Esses
ensinos, que muitas vezes não passam de meras opiniões, deixam de levar
em conta o ensino bíblico de que vivemos em um mundo decaído, que sofre
as conseqüências do pecado e do juízo de Deus contra o mesmo. Nem todo
“mal” vem do demônio: há males que decorrem das nossas limitações, das
circunstâncias do mundo (catástrofes naturais, por exemplo, que atingem
tanto crentes quanto descrentes) e o próprio Deus pode enviar males com
propósitos de juízo ou de disciplina (Is 45.7; Hb 12.4-13).
A preocupação desmedida com as forças
malignas não reflete o ensino equilibrado das Escrituras, cria temores
desnecessários nas pessoas e pode ser um instrumento de manipulação
emocional. Por outro lado, pode minimizar a responsabilidade individual
ou coletiva por muitos pecados e erros: é mais fácil justificar certas
coisas atribuindo-as à ação do inimigo. A obsessão pelo diabo também
pode obscurecer a glória de Deus. Ainda que o maligno seja poderoso, ele
não é todo-poderoso, como às vezes se imagina. Somente Deus é o Senhor
supremo de todas as coisas. O próprio demônio está debaixo da sua
autoridade.
Certamente, não devemos subestimar as
forças espirituais do mal. O Senhor mesmo nos ensinou a orar: “Livra-nos
do mal”. Mas nessa luta temos de usar as armas oferecidas pelo próprio
Deus e não os artifícios humanos e as práticas supersticiosas que têm
sido apregoados por tantos.
(d) Maldição hereditária: essa é outra
área de sérias distorções. Toma-se um texto isolado como Êxodo 20.5,
onde Deus afirma que castiga a maldade dos pais nos filhos até a
terceira e quarta gerações, e se constrói toda uma doutrina a partir
daí, uma doutrina que nunca foi ensinada por Cristo e pelos apóstolos.
Para a libertação ou quebra da maldição seria necessário fazer uma
árvore genealógica da família, identificar as pragas, maldições, pecados
e pactos com demônios feitos pelos antepassados e anulá-los,
quebrando-os e rejeitando-os em nome de Jesus Cristo.
Porém, qual é o ensino mais amplo das
Escrituras sobre o assunto? Se é verdade que os pecados de uma geração
podem ter sérias conseqüências para os seus descendentes, existem outras
passagens sobre o assunto que devem ser levadas em consideração. É o
caso de Ezequiel 18, em que Deus mostra que a responsabilidade moral é
pessoal e individual: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não
levará a iniqüidade do pai...” (vv. 4b, 20). Pela conversão e retidão de
vida, o indivíduo está livre da “maldição” dos pecados de seus
antepassados (vv. 14-19). O segundo mandamento (Êxodo 20.5) prevê a
visitação do juízo divino sobre os descendentes de ímpios que também
aborrecem a Deus como seus pais. Além disso, o Novo Testamento nos
ensina que Cristo resgatou os crentes da maldição da lei (Cl 2.13-15; Gl
3.13) e que nenhuma condenação resta para os que estão em Cristo Jesus
(Rm 8.1).
Isso nos leva a um outro ponto
importante, que é a tendência de muitos neopentecostais de tirarem
conclusões apressadas de passagens do Antigo Testamento, sem procurar
entendê-las à luz da revelação mais plena de Deus em Jesus Cristo e no
Novo Testamento. É preciso lembrar sempre que o Novo Testamento é a
chave para a interpretação do Antigo. Como Jesus disse: “Ouvistes que
foi dito aos antigos... eu, porém, vos digo...”.
(e) Exorcismos: a maneira como a expulsão
de demônios é praticada em muitas igrejas ou mesmo em programas de
televisão soa muito estranha à luz do ensino bíblico sobre a matéria.
Jesus ocasionalmente expulsou demônios e o mesmo fizeram os apóstolos.
Em igrejas como a IURD e outras, os exorcismos são parte regular dos
cultos, recebendo uma ênfase totalmente desproporcional à sua
importância. Novamente repete-se o mesmo padrão: toma-se um ensino ou
elemento bíblico e dá-se a ele uma ênfase muito maior do que a
encontrada nas próprias Escrituras.
Não raro, as sessões de exorcismo
transformam-se em verdadeiros shows cheios de teatralidade, com a
finalidade de impressionar o auditório. Os exorcistas dialogam com o
“demônio”, brincam com ele e submetem a pessoa possessa a grandes
humilhações, expondo o seu sofrimento diante de todos. Curiosamente, a
maior parte das pessoas possessas pertence ao sexo feminino, como se as
mulheres fossem mais pecadoras ou mais frágeis espiritualmente que os
homens.
(f) Profecias: outra prática comum de
certos grupos neopentecostais são as profecias, supostamente recebidas
mediante revelações. Com freqüência, tais profecias expressam meros
desejos ou expectativas do “profeta” em relação a uma pessoa ou grupo,
mas são proferidas em tom dogmático, como se fossem tão inspiradas
quanto a Bíblia. Muitas vezes, as profecias não se cumprem, os seja, são
falsas profecias, o que faz de seus anunciadores falsos profetas, mas
ninguém se lembra de pedir desculpas, de reconhecer que errou, que não
estava falando a palavra do Senhor.
Em seu livro Evangélicos em crise, Paulo
Romeiro cita uma profecia feita por Benny Hinn no dia 16 de março de
1994, quando falava na Igreja Renascer, em São Paulo.[26] Ele começou,
dizendo: “O Deus Todo-Poderoso está me dizendo que esta cidade de São
Paulo vai se dobrar ao nome de Jesus”. A seguir, ele afirmou que
brevemente ocorreria a destruição dos poderes satânicos que controlavam a
cidade e que dentro de seis meses a atmosfera espiritual de São Paulo
iria começar a mudar. Como prova disso uma mulher muito conhecida, que
estava enfeitiçando milhares de pessoas, iria morrer. Líderes políticos
nasceriam de novo. Dentro de dois anos (1996), os crentes iriam dizer:
“Deus tem feito grandes coisas”. Por fim, ele afirmou que Deus iria usar
Estevam Hernandes para ser uma influência poderosa sobre os líderes
políticos do Brasil, e concluiu: “Marquem minhas palavras. Não é Benny
Hinn quem está falando. Assim diz o Senhor!”
Uma área em que as profecias continuam se
multiplicando, apesar dos repetidos malogros de predições anteriores,
diz respeito à data da volta de Cristo. Isso ocorreu de modo especial ao
aproximar-se o ano 2000. Paulo Romeiro também narra as afirmações
feitas pela conhecida pastora Valnice Milhomens no programa “Palavra da
Fé”, transmitido em 1990 pela Rede Bandeirantes.[27] Ela afirmou
inicialmente: “Deus reservou para nossa geração a plenitude de todas as
coisas... Esta é a geração que verá cada palavra que está escrita na
profecia vindo ao seu cumprimento. Nos próximos dez anos haverá mais
profecias se cumprindo do que em todos os anos passados”. A seguir,
apelando para várias revelações e fazendo uma série de cálculos
aritméticos, ela concluiu que tudo se cumprirá na presente geração (40
anos), que começou em 1967 e terminará no ano 2007.
(g) Questões éticas: outra área que tem
gerado preocupação quanto a algumas igrejas e líderes neopentecostais
refere-se ao aspecto ético. É claro que todo e qualquer cristão está
sujeito a cair, a cometer erros de maior ou menor gravidade. Todavia,
certas práticas são difíceis de justificar à luz dos padrões bíblicos.
Alguns exemplos: (1) Área financeira: existem igrejas e ministérios que
não são transparentes quanto à maneira como recolhem e gastam as
contribuições dos fiéis. Há alguns anos atrás, nos Estados Unidos, houve
alguns casos notórios de desonestidade que resultaram até na prisão de
um conhecido líder carismático, Jim Baker. Um caso famoso de chantagem
na área financeira foi protagonizado pelo conhecido evangelista Oral
Roberts. Será que no Brasil seria diferente? As práticas da IURD e o
estilo de vida do casal Hernandes não têm contribuído para projetar uma
boa imagem dos evangélicos junto à sociedade brasileira. (2) Área
política: o crescente envolvimento dos neopentecostais com a política
partidária não tem sido salutar para o testemunho evangélico em nosso
país. Apesar do discurso de defesa dos interesses da comunidade
evangélica ou da sociedade em geral, o que provavelmente está em vista é
a defesa de agendas bem mais específicas e menos edificantes. Os
precedentes nessa área não são nada animadores, como a troca de votos
por concessões de rádio na época do presidente Sarney e a triste
participação de evangélicos nas falcatruas do orçamento do Congresso, há
alguns anos. (3) Área moral: o culto à personalidade que caracteriza
certos movimentos e a noção de que não se pode tocar no “ungido do
Senhor,” abre as portas para que certos líderes caiam em pecado e
continuem a encontrar seguidores.
Conclusões
Muito mais poderia ser dito sobre o
movimento neopentecostal. Estes são apenas alguns pontos salientes, que
obviamente não esgotam o assunto. Por uma questão de justiça, é preciso
reconhecer que há muitos pastores, crentes e igrejas neopentecostais que
são íntegros, bem-intencionados e fiéis ao Senhor. Esses irmãos têm
sido instrumentos para a conversão e transformação de vidas de milhares
de brasileiros, muitos deles anteriormente escravizados pelos vícios,
vivendo em miséria e violência. Um número incontável de pessoas tem
encontrado nas igrejas pentecostais e neopentecostais um ambiente de
calor humano, dignidade e valorização pessoal que jamais haviam
experimentado até então. As igrejas neopentecostais têm trabalhado entre
grupos não alcançados pelas igrejas tradicionais: de um lado,
favelados, viciados, aidéticos, presidiários e outras pessoas
marginalizadas; de outro lado, atletas, artistas e outros grupos mais
elevados na escala social. Todavia, por mais que admiremos estes
elementos positivos e sejamos gratos a Deus por eles, não podemos fechar
os olhos para os aspectos preocupantes apontados anteriormente.
Há 250 anos viveu nos Estados Unidos o
notável servo de Deus que foi Jonathan Edwards (1703-1758).[28] Um
legítimo descendente dos puritanos, esse pastor e teólogo calvinista foi
um dos instrumentos do Grande Despertamento ocorrido nas décadas de
1730 e 1740. Edwards foi um atento observador e crítico desse grande
reavivamento, deixando suas impressões nos diversos livros que escreveu
sobre o assunto. Ele constatou que o avivamento tinha aspectos positivos
e negativos. De um lado, conversões, consagração de vidas, mudanças nos
relacionamentos, atuação social; de outro lado, emocionalismo
exacerbado, superficialidade, manipulação por pregadores inescrupulosos,
atração por fenômenos espetaculares. Ele mesmo e a sua esposa tiveram
experiências que consideraríamos incomuns. Sua conclusão geral sobre o
assunto é que existem certos sinais, evidências ou frutos visíveis que
demonstram se uma determinada experiência religiosa é genuína ou não:
convicção de pecado, seriedade nas coisas espirituais, preocupação com a
glória de Deus, apego às Escrituras, mudança no comportamento ético,
relações pessoais transformadas e influência regeneradora na comunidade.
Portanto, o que se espera de nós, crentes
presbiterianos, herdeiros da tradição reformada, diante do desafio do
neopentecostalismo, é uma posição de equilíbrio e coerência, procurando
aprender com o que as novas igrejas têm de positivo e saudável, mas
rejeitando firmemente, com base nas Escrituras e na fé cristã histórica,
os desvios, os exageros, as distorções humanas.
Algumas recomendações práticas:
a) Procuremos ler bons livros sobre o
assunto, principalmente aqueles escritos de uma perspectiva
reformada.[29] Infelizmente, existe muita coisa ruim nas nossas
livrarias evangélicas.
b) Sejamos como os crentes bereanos (Atos 17.11), julgando todas as coisas e retendo o que é bom (1 Ts 5.21).
c) Observemos o conselho de Paulo,
seguindo a verdade em amor (Ef 4.15) e crescendo em tudo (inclusive na
maturidade e discernimento) naquele que é o cabeça, Cristo.
d) Sejamos estudantes sérios e criteriosos das Escrituras, dos nossos padrões doutrinários e da história da igreja.
Por Alderi Sousa de Matos
Publicado Originalmente no Mackenzie
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[1] Ver o estudo da Comissão Permanente
de Doutrina da IPB. Igreja Universal do Reino de Deus: sua teologia e
sua prática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 20-21.
[2] Ver Alderi S. Matos. Edward Irving:
precursor do movimento carismático na igreja reformada. Fides Reformata
1:2 (Jul-Dez 1996), p. 5-12.
[3] Ver o estudo de Émile-G. Léonard, O
iluminismo num protestantismo de constituição recente (São Paulo:
Programa Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1988). Para
o professor Léonard, “iluminismo” significa misticismo, iluminação
interior.
[4] Para as origens teológicas e
históricas do pentecostalismo norte-americano, ver Donald W. Dayton,
Theological roots of Pentecostalism. Peabody, Massachusetts: Hendrickson
Publishers, 1987.
[5] Paul Freston. Breve história do
pentecostalismo brasileiro. Em: Alberto Antoniazzi e outros. Nem anjos
nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo.
Petrópolis: Vozes, 1994, p. 70-71.
[6] Fazendo um levantamento do
protestantismo brasileiro em 1931, Erasmo Braga curiosamente menciona
apenas de passagem as igrejas pentecostais. Todavia, os dados
estatísticos que aduz ao final do livro mostram que a Assembléia de Deus
já despontava como uma das principais denominações presentes no país.
Erasmo Braga e Kenneth G. Grubb. The Republic of Brazil: a survey of the
religious situation. Londres: World Dominion Press, 1932, pp. 69, 101s,
141.
[7] Freston faz uma observação
interessante sobre a Assembléia de Deus: no período em questão
(1910-1950), ela tornou-se a igreja protestante nacional por excelência,
sendo a única grande igreja evangélica a implantar-se e irradiar-se
fora do eixo Rio-São Paulo. “Breve História”, p. 70-71.
[8] Escrevendo em 1952, o professor
Émile-G. Léonard opinava haver nas Congregações Cristãs “uma profunda
fraqueza, que faz com que não as possamos considerar absolutamente
protestantes” – o limitado papel reservado à Bíblia. O protestantismo
brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 2ª ed. São Paulo:
JUERP/ASTE, 1981, p. 350.
[9] Freston, “Breve História”, p. 72.
[10] Duncan Alexander Reily. História documental do protestantismo no Brasil. 2ª impr. rev. São Paulo: ASTE, 1993, p. 388-391.
[11] Ibid., 376-378; Freston, “Breve
História”, p. 124-25. Freston opina que a filiação foi um “casamento de
conveniências”. O CMI precisava de pentecostais e Manoel de Mello,
embora discordasse da teologia do CMI, queria publicidade e auxílio para
projetos sociais.
[12] Reily, História Documental, p. 378-79.
[13] A Igreja Deus é Amor até hoje não
utiliza a televisão, mas é proprietária de uma rede de emissoras de
rádio e transmite os seus programas para toda a América Latina. Ver
Leonildo S. Campos, O milagre no ar: levantamento de técnicas
persuasivas num programa radiofônico em São Paulo. Simpósio – Revista
Teológica da ASTE 5/2 (dezembro de 1982).
[14] Freston, “Breve História”, p. 71.
[15] Nesse sentido, designa aqueles
grupos pentecostais que surgiram fora das grandes denominações
brasileiras, pentecostais ou protestantes, fundados e liderados por
empreendedores religiosos que preferiram estabelecer-se por conta
própria, sem vínculos, inclusive, com missões estrangeiras. Ver Leonildo
Silveira Campos, Teatro, templo e mercado: organização e marketing de
um empreendimento neopentecostal. Petrópolis e São Paulo:
Vozes/Simpósio/UMESP, 1997, p. 18.
[16] Leonildo Silveira Campos,
“Protestantismo Histórico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximações e
Conflitos,” em Na Força do Espírito: Os Pentecostais na América Latina –
Um Desafio às Igrejas Históricas (São Paulo: Pendão Real, 1996), 84.
[17] Freston, “Breve História”, p. 132-33.
[18] Ver Charismatic movement, em Stanley
M. Burgess e Gary B. McGee (orgs.). Dictionary of Pentecostal and
Charismatic movements. Grand Rapids: Zondervan, 1988, p. 130.
[19] Sobre a relação entre a IURD e a teologia da prosperidade, ver Freston, “Breve História”, p. 146-153.
[20] Freston, “Breve História”, 153-56.
Para uma análise completa da IURD em toda a sua complexidade, ver a obra
de Leonildo S. Campos, Teatro, Templo e Mercado. Campos é professor da
Universidade Metodista de São Paulo, no programa de Ciências da
Religião.
[21] A revista Veja publicou uma
entrevista com o bispo Von Helde na sua edição de 1º de novembro de
1995, p. 50-53. O episódio do “chute na santa” exacerbou ainda mais uma
confrontação entre a IURD e a Rede Globo que vinha ocorrendo há vários
meses.
[22] Revista Veja, 20 de janeiro de 1999.
[23] Por “pentecostalismo autônomo” são
designadas as denominações dissidentes do pentecostalismo clássico
(oriundo dos Estados Unidos) e/ou formadas em torno de lideranças
fortes.
[24] Ver Hank Hanegraaff. Christianity in crisis. Eugene, Oregon: Harvest House Publishers, 1993, p. 61-102.
[25] Sobre esse tema, ver o excelente
estudo do Dr. Augustus Nicodemus Lopes. O que você precisa saber sobre
batalha espiritual. 2ª ed. revisada e ampliada. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 1998.
[26] Paulo Romeiro. Evangélicos em crise:
decadência doutrinária na igreja brasileira. 3ª ed. São Paulo: Mundo
Cristão, 1997, p. 88-89.
[27] Ibid., p. 183-84.
[28] Ver Alderi S. Matos. Jonathan Edwards: teólogo do coração e do intelecto. Fides Reformata 3/1 (Jan-Jun 1998), p. 72-87.
[29] Por exemplo, John F. MacArthur, Jr.
Os carismáticos: um panorama doutrinário. 3ª ed. São José dos Campos:
Editora Fiel, 1995.
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