quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A NECESSIDADE DE UMA NOVA REFORMA



A Reforma protestante é mais do que um acontecimento histórico restrito à Europa do século 16. Seus questionamentos ainda são aplicáveis aos dias atuais.

Para falar da Reforma protestante é preciso falar de Martinho Lutero, “o gigante da Reforma”. Ele era monge da Ordem de Santo Agostinho e estudioso da teologia e das Sagradas Escrituras. O cenário religioso em que ele vivia o incomodava: via de regra, a religião não passava de adoração externa e física, baseada em símbolos sagrados, mas com pouca ou sem nenhuma importância para a vida pessoal do povo que se dizia cristão; muitos se diziam adoradores de Deus, mas o negavam por meio de suas obras. Proclamavam a existência de Deus, mas viviam como se ele não existisse. No geral, Deus não era adorado nem “em espírito”, nem “em verdade” (João 4.23-24).

Havia algo em especial que deixava Lutero indignado: a venda de indulgências (o perdão da punição pelos pecados). Naqueles dias, era comum a crença de que, depois da morte, as almas não totalmente purificadas de seus pecados tinham de sofrer por um tempo no purgatório. Entretanto, seus familiares poderiam abreviar essas aflições por meio de “cartas de indulgência” ou de perdão concedidas pelo papa. Havia também a possibilidade de alguém comprar o perdão em vida como uma espécie de seguro depois da morte ou de pecados futuros. Como obtê-las? Pagando por elas. Havia muitos vendedores de indulgências nos dias de Lutero. Era uma atividade bastante lucrativa. Esse negócio financiava projetos megalomaníacos de um clero cada vez mais corrompido pela ganância, pela ostentação e pelo amor ao dinheiro.

Lutero decidiu agir. Em 31 de outubro de 1517, ele se dirigiu à Abadia de Wittenberg, na Alemanha, e seguiu uma prática comum entre os acadêmicos de seus dias: apresentar, sustentar e defender teses (enunciados) em público. Ele expôs 95 teses, com as quais procurou discutir e questionar os mandos e desmandos por parte do papa e do clero na venda de indulgências. Ele queria discutir essas teses e promover o debate dessas ideias.

O impacto dessas teses tomou proporções inimagináveis e afetou grandemente a Europa desde então. Lutero desejava incentivar uma reforma, não uma rebelião na Igreja, mas os cismas foram inevitáveis.

Se você nunca leu essas teses, faça isso imediatamente. Elas são facilmente encontradas na Internet. A título de exemplo, eis 12 dessas teses:
Quando Jesus Cristo, nosso Senhor e Mestre, disse "Arrependei-vos", certamente queria que toda a vida dos seus crentes na terra fosse de contínuo arrependimento.
Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda espécie de modificações da carne.
O papa não pode perdoar dívida senão declarar e confirmar aquilo que já foi perdoado por Deus.
24ª
Assim sendo, a maioria do povo é ludibriada com as pomposas promessas do indistinto perdão, impressionando se o homem singelo com as penas pagas.
27ª
Pregam futilidades humanas quantos alegam que a alma se vai do purgatório no momento em que a moeda soa ao cair no gazofilácio.
28ª
Certo é que no momento em que a moeda soa no gazofilácio o lucro vem e o amor ao dinheiro cresce e aumenta; porém, somente a ajuda ou a intercessão da Igreja correspondem à vontade e ao agrado de Deus.
46ª
Deve-se ensinar aos cristãos que se não tiverem fartura, fiquem com o necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.
50ª
Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa tivesse conhecimento da traficância dos pregadores de indulgências, preferiria ver a catedral de São Pedro ser reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
52º
Comete-se injustiça contra a Palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto ou mais tempo à indulgência do que à pregação da Palavra do Senhor.
54ª
Esperar ser salvo mediante cartas de indulgência é inutilidade e mentira, mesmo se o comissário de indulgências, mesmo se o próprio papa oferecesse sua alma como garantia.
86ª
Ainda: Por que o papa, cuja fortuna hoje é mais principesca do que a de qualquer homem rico, não prefere edificar a catedral de S. Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro de fiéis pobres?
92ª
Fora, pois, com todos estes profetas que dizem ao povo de Cristo: Paz! Paz! e não há Paz.

Tudo isso foi dito no século 16, no seio da Igreja Romana. Mas algumas dessas teses poderiam ser adaptadas ao atual cenário evangélico. Uma breve analogia revela a veracidade dessa afirmação.
24ª
Assim sendo, a maioria do povo é ludibriada com as pomposas promessas de prosperidade financeira, impressionando-se o homem singelo com as riquezas desses pregadores.
27ª
Pregam futilidades humanas quantos alegam que o crente prosperará no momento em que a moeda soa ao cair no gazofilácio, em que ele fizer sacrifícios financeiros e barganhar com Deus.
28ª
Certo é que no momento em que a moeda soa no gazofilácio o lucro vem para esses pregadores e o amor ao dinheiro cresce e aumenta.
50ª
Deve-se ensinar aos cristãos que se os pastores que pregam a teologia da prosperidade financeira levassem a Palavra de Deus a sério, eles prefeririam ver seu império religioso ser reduzido a cinzas a ser edificado com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
52º
Comete-se injustiça contra a Palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto ou mais tempo ao dinheiro ou às palavras de autoajuda do que à pregação da Palavra do Senhor.
86ª
Ainda: Por que muitos pastores e apóstolos, cuja fortuna hoje é mais principesca do que a de qualquer milionário, não prefere edificar seus templos gigantescos e suntuosos de seu próprio bolso em vez de fazê-lo com o dinheiro de fiéis pobres?
92ª
Fora, pois, com todos estes profetas que dizem ao povo de Cristo: Prosperidade! Prosperidade!, quando só há prosperidade real para eles.

A comunidade evangélica, com boas exceções, tem se rendido à Teologia da Prosperidade. Como escrevi no prefácio à segunda edição do livro Supercrentes (Mundo Cristão), do pastor Paulo Romeiro, a aplicação dessa teologia tem produzido líderes ricos, poderosos e gananciosos, e cada vez mais distanciados da simplicidade de Cristo, enxergando a vida piedosa como meio de ganho. Ávidos pelo poder, criaram megaigrejas, compraram mansões, tornaram-se celebridades. O poder os corrompeu. Essa teologia não produziu crentes melhores, mas crentes doentes, confusos e em eterno conflito, pois estes não veem os resultados práticos da aplicação dos princípios que fazem de seus líderes o que eles mesmos gostariam de ser.

Estamos vivendo um período como o que deu origem à Reforma, mas desta vez no meio evangélico. Alas da Igreja evangélica estão cada vez mais sedentas e possuídas pelo poder político e pelas coisas do mundo. Alianças políticas são traçadas a fim de atingir esses objetivos. Eles financiam “Marchas para Jesus” com o intuito de se prostituírem com os poderosos e obterem favores políticos e financeiros. Valem-se das boas intenções de eventos desse tipo para alcançarem seus objetivos nefastos. Muitos afirmam que querem "O Brasil para o Senhor Jesus", mas suas práticas revelam que querem o Brasil do Senhor Jesus.

A mídia, infelizmente, vem se fartando com a quantidade de matéria-prima na área ética produzida por uma liderança corrompida. Foi-se o tempo em que a designação "evangélico" era símbolo de seriedade e respeito. Hoje, é motivo de chacota. É lamentável e vergonhoso ver líderes religiosos sendo acusados de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, entre outras práticas dessas categorias. Os exemplos pululam por aí.

Precisamos orar para que surja uma geração de novos Luteros, de gente que pensa antes de dar aceitação a qualquer nova doutrina ou a qualquer novo líder, por mais carismático que seja. Que surja a geração do "ponham à prova todas as coisas e fiquem com o que é bom" (1Ts 5:21; NVI) e do "não creiam em qualquer espírito, mas examinem os espíritos para ver se eles procedem de Deus..." (1Jo 4:1; NVI).

Que o espírito da Reforma não morra por nossa covardia nos calabouços da Teologia da Prosperidade, das práticas supersticiosas (sal grosso, rosa ungida, óleos milagrosos, lágrimas curativas etc.), dos falsos mestres, apóstolos, pastores, primazes, bispos e missionários (seja qual for a nomenclatura que adotem), que tosquiam seus rebanhos para financiar o culto aos seus egos e sua vida luxuosa.

Mas não podemos olhar para a Reforma pensando apenas nos outros. Precisamos também nos avaliar. Aproveitemos também o momento para refletir nos aspectos de nossa vida que necessitam de reforma. Como anda nosso padrão de vida no Senhor? Estamo-nos parecendo cada vez mais com Jesus? Nosso caráter tem sido moldado à imagem de Cristo? Temos cultivado as disciplinas espirituais, as quais nos conduzem a um estilo de vida que agrada a Deus, como a oração e a leitura da Palavra? Estamos sendo fiéis mordomos, administrando corretamente nossos dons, nossas paixões e nossa personalidade? Estamos lutando contra as tentações, enfrentando os perigos do dinheiro, do sexo e do poder? (Para ajudar nessa tarefa, quero lhe recomendar o livro “Elementos essenciais da liderança: visão, influência, caráter”, de Greg Ogden e Daniel Meyer, publicado pela Editora Vida).

 Aldo Menezes é Presbítero na Diocese do Recife; editor de teologia e filosofia; sendo clérigo na Região Eclesiástica 1, no Arcediagado PB/RN da Diocese.

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