A Reforma
protestante é mais do que um acontecimento histórico restrito à Europa do
século 16. Seus questionamentos ainda são aplicáveis aos dias atuais.
Para
falar da Reforma protestante é preciso falar de Martinho Lutero, “o gigante da
Reforma”. Ele era monge da Ordem de Santo Agostinho e estudioso da teologia e
das Sagradas Escrituras. O cenário religioso em que ele vivia o incomodava: via
de regra, a religião não passava de adoração externa e física, baseada em
símbolos sagrados, mas com pouca ou sem nenhuma importância para a vida pessoal
do povo que se dizia cristão; muitos se diziam adoradores de Deus, mas o
negavam por meio de suas obras. Proclamavam a existência de Deus, mas viviam
como se ele não existisse. No geral, Deus não era adorado nem “em espírito”,
nem “em verdade” (João 4.23-24).
Havia
algo em especial que deixava Lutero indignado: a venda de indulgências (o
perdão da punição pelos pecados). Naqueles dias, era comum a crença de que,
depois da morte, as almas não totalmente purificadas de seus pecados tinham de
sofrer por um tempo no purgatório. Entretanto, seus familiares poderiam
abreviar essas aflições por meio de “cartas de indulgência” ou de perdão
concedidas pelo papa. Havia também a possibilidade de alguém comprar o perdão
em vida como uma espécie de seguro depois da morte ou de pecados futuros. Como
obtê-las? Pagando por elas. Havia muitos vendedores de indulgências nos dias de
Lutero. Era uma atividade bastante lucrativa. Esse negócio financiava projetos
megalomaníacos de um clero cada vez mais corrompido pela ganância, pela
ostentação e pelo amor ao dinheiro.
Lutero
decidiu agir. Em 31 de outubro de 1517, ele se dirigiu à Abadia de Wittenberg,
na Alemanha, e seguiu uma prática comum entre os acadêmicos de seus dias:
apresentar, sustentar e defender teses (enunciados) em público. Ele expôs 95
teses, com as quais procurou discutir e questionar os mandos e desmandos por parte
do papa e do clero na venda de indulgências. Ele queria discutir essas teses e
promover o debate dessas ideias.
O impacto
dessas teses tomou proporções inimagináveis e afetou grandemente a Europa desde
então. Lutero desejava incentivar uma reforma, não uma rebelião na Igreja, mas
os cismas foram inevitáveis.
Se você
nunca leu essas teses, faça isso imediatamente. Elas são facilmente encontradas
na Internet. A título de exemplo, eis 12 dessas teses:
1ª
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Quando
Jesus Cristo, nosso Senhor e Mestre, disse "Arrependei-vos",
certamente queria que toda a vida dos seus crentes na terra fosse de contínuo
arrependimento.
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3ª
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Todavia
não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento
interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda espécie de
modificações da carne.
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6ª
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O papa
não pode perdoar dívida senão declarar e confirmar aquilo que já foi perdoado
por Deus.
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24ª
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Assim
sendo, a maioria do povo é ludibriada com as pomposas promessas do indistinto
perdão, impressionando se o homem singelo com as penas pagas.
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27ª
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Pregam
futilidades humanas quantos alegam que a alma se vai do purgatório no momento
em que a moeda soa ao cair no gazofilácio.
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28ª
|
Certo é
que no momento em que a moeda soa no gazofilácio o lucro vem e o amor ao
dinheiro cresce e aumenta; porém, somente a ajuda ou a intercessão da Igreja
correspondem à vontade e ao agrado de Deus.
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46ª
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Deve-se
ensinar aos cristãos que se não tiverem fartura, fiquem com o necessário para
a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.
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50ª
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Deve-se
ensinar aos cristãos que, se o papa tivesse conhecimento da traficância dos
pregadores de indulgências, preferiria ver a catedral de São Pedro ser
reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas
ovelhas.
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52º
|
Comete-se
injustiça contra a Palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto
ou mais tempo à indulgência do que à pregação da Palavra do Senhor.
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54ª
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Esperar
ser salvo mediante cartas de indulgência é inutilidade e mentira, mesmo se o
comissário de indulgências, mesmo se o próprio papa oferecesse sua alma como
garantia.
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86ª
|
Ainda:
Por que o papa, cuja fortuna hoje é mais principesca do que a de qualquer
homem rico, não prefere edificar a catedral de S. Pedro de seu próprio bolso
em vez de o fazer com o dinheiro de fiéis pobres?
|
92ª
|
Fora,
pois, com todos estes profetas que dizem ao povo de Cristo: Paz! Paz! e não
há Paz.
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Tudo isso
foi dito no século 16, no seio da Igreja Romana. Mas algumas dessas teses
poderiam ser adaptadas ao atual cenário evangélico. Uma breve analogia revela a
veracidade dessa afirmação.
24ª
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Assim
sendo, a maioria do povo é ludibriada com as pomposas promessas de
prosperidade financeira, impressionando-se o homem singelo com as riquezas
desses pregadores.
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27ª
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Pregam
futilidades humanas quantos alegam que o crente prosperará no momento em que
a moeda soa ao cair no gazofilácio, em que ele fizer sacrifícios financeiros
e barganhar com Deus.
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28ª
|
Certo é
que no momento em que a moeda soa no gazofilácio o lucro vem para esses
pregadores e o amor ao dinheiro cresce e aumenta.
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50ª
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Deve-se
ensinar aos cristãos que se os pastores que pregam a teologia da prosperidade
financeira levassem a Palavra de Deus a sério, eles prefeririam ver seu
império religioso ser reduzido a cinzas a ser edificado com a pele, a carne e
os ossos de suas ovelhas.
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52º
|
Comete-se
injustiça contra a Palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto
ou mais tempo ao dinheiro ou às palavras de autoajuda do que à pregação da
Palavra do Senhor.
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86ª
|
Ainda:
Por que muitos pastores e apóstolos, cuja fortuna hoje é mais principesca do
que a de qualquer milionário, não prefere edificar seus templos gigantescos e
suntuosos de seu próprio bolso em vez de fazê-lo com o dinheiro de fiéis
pobres?
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92ª
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Fora, pois,
com todos estes profetas que dizem ao povo de Cristo: Prosperidade!
Prosperidade!, quando só há prosperidade real para eles.
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A
comunidade evangélica, com boas exceções, tem se rendido à Teologia da
Prosperidade. Como escrevi no prefácio à segunda edição do livro Supercrentes
(Mundo Cristão), do pastor Paulo Romeiro, a aplicação dessa teologia tem
produzido líderes ricos, poderosos e gananciosos, e cada vez mais distanciados
da simplicidade de Cristo, enxergando a vida piedosa como meio de ganho. Ávidos
pelo poder, criaram megaigrejas, compraram mansões, tornaram-se celebridades. O
poder os corrompeu. Essa teologia não produziu crentes melhores, mas crentes
doentes, confusos e em eterno conflito, pois estes não veem os resultados
práticos da aplicação dos princípios que fazem de seus líderes o que eles
mesmos gostariam de ser.
Estamos
vivendo um período como o que deu origem à Reforma, mas desta vez no meio
evangélico. Alas da Igreja evangélica estão cada vez mais sedentas e possuídas
pelo poder político e pelas coisas do mundo. Alianças políticas são traçadas a
fim de atingir esses objetivos. Eles financiam “Marchas para Jesus” com o
intuito de se prostituírem com os poderosos e obterem favores políticos e
financeiros. Valem-se das boas intenções de eventos desse tipo para alcançarem
seus objetivos nefastos. Muitos afirmam que querem "O Brasil para o Senhor
Jesus", mas suas práticas revelam que querem o Brasil do Senhor Jesus.
A mídia,
infelizmente, vem se fartando com a quantidade de matéria-prima na área ética
produzida por uma liderança corrompida. Foi-se o tempo em que a designação
"evangélico" era símbolo de seriedade e respeito. Hoje, é motivo de
chacota. É lamentável e vergonhoso ver líderes religiosos sendo acusados de
formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, entre outras práticas dessas
categorias. Os exemplos pululam por aí.
Precisamos
orar para que surja uma geração de novos Luteros, de gente que pensa antes de
dar aceitação a qualquer nova doutrina ou a qualquer novo líder, por mais
carismático que seja. Que surja a geração do "ponham à prova todas as
coisas e fiquem com o que é bom" (1Ts 5:21; NVI) e do "não creiam em
qualquer espírito, mas examinem os espíritos para ver se eles procedem de
Deus..." (1Jo 4:1; NVI).
Que o
espírito da Reforma não morra por nossa covardia nos calabouços da Teologia da
Prosperidade, das práticas supersticiosas (sal grosso, rosa ungida, óleos
milagrosos, lágrimas curativas etc.), dos falsos mestres, apóstolos, pastores,
primazes, bispos e missionários (seja qual for a nomenclatura que adotem), que
tosquiam seus rebanhos para financiar o culto aos seus egos e sua vida luxuosa.
Mas não
podemos olhar para a Reforma pensando apenas nos outros. Precisamos também nos
avaliar. Aproveitemos também o momento para refletir nos aspectos de nossa vida
que necessitam de reforma. Como anda nosso padrão de vida no Senhor? Estamo-nos
parecendo cada vez mais com Jesus? Nosso caráter tem sido moldado à imagem de
Cristo? Temos cultivado as disciplinas espirituais, as quais nos conduzem a um
estilo de vida que agrada a Deus, como a oração e a leitura da Palavra? Estamos
sendo fiéis mordomos, administrando corretamente nossos dons, nossas paixões e
nossa personalidade? Estamos lutando contra as tentações, enfrentando os perigos
do dinheiro, do sexo e do poder? (Para ajudar nessa tarefa, quero lhe
recomendar o livro “Elementos essenciais da liderança: visão, influência,
caráter”, de Greg Ogden e Daniel Meyer, publicado pela Editora Vida).
Aldo Menezes é Presbítero na Diocese do
Recife; editor de teologia e filosofia; sendo clérigo na Região Eclesiástica 1,
no Arcediagado PB/RN da Diocese.
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