domingo, 9 de outubro de 2011

DIZENDO ADEUS

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 31)


TEXTO BASE: Atos 20:1-21:17

Cada uma das três pessoas da Trindade tem uma participação na supervisão da Igreja. Para começar, a Igreja é a Igreja de Deus. Em seguida, lemos que ele a comprou com o seu próprio sangue – o sangue de Cristo. E sobre essa Igreja o Espírito Santo constituiu supervisores. Essa esplêndida afirmação trinitária deveria fazer-nos humildemente recordar que a Igreja não é nossa, mas de Deus. Isto deveria inspirar-nos a sermos mais fiéis. As pessoas da Igreja são as ovelhas de Deus Pai, compradas pelo precioso sangue de Jesus e supervisionadas por supervisores constituídos pelo Espírito Santo. Se as três pessoas da Trindade estão assim dedicadas ao bem-estar de seu povo, não deveríamos também estar?
"Mas eu não dou valor à minha própria vida. O importante é que eu complete a minha missão e termine o trabalho que o Senhor Jesus me deu para fazer. E a missão é esta: anunciar a boa notícia da graça de Deus. " Atos 20:24

A aula foi extraída do guia de estudos bíblicos: O Espírito em ação – John Stott

domingo, 25 de setembro de 2011

ERA DAS MISSÕES

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 30)


TEXTO BASE: Mateus28:18-20

INTRODUÇÃO
Por muito tempo as igrejas protestantes ficaram focadas com os desafios e os novos rumos da Europa. Missões não era o foco da Igreja, e muito do trabalho evangelístico realizado até então não era intencional, como por exemplo, os imigrantes oriundos de países protestantes, que ao desbravar e explorar suas colônias (nas Américas, África e Ásia), comunicava a sua fé através da cultura que apresentavam ou impunham aos moradores locais.

Nesta lição vamos estudar como esse espírito começou a mudar na Igreja Protestante, e o que ocorreu para que uma preocupação com a urgência na evangelização de povos não alcançados pelo evangelho sobreviesse sobre as igrejas, proliferando assim as agências e sociedades missionárias para cumprir essa tarefa dada por Jesus aos seus discípulos.

MISSÕES MORÁVIA
por Alderi de Souza Matos

Com o seu zelo por Cristo, os irmãos morávios escreveram uma das páginas mais nobres das missões cristãs em todos os tempos. Nenhum grupo protestante teve maior consciência do dever missionário e nenhum demonstrou tamanha consagração a esse serviço em proporção ao número de seus membros. Seu grande líder inicial e incentivador na obra missionária foi o piedoso conde alemão Nikolaus Ludwig Von Zinzendorf (1700-1760).

Numa viagem a Copenhague para assistir a coroação do rei dinamarquês Cristiano VI, o conde Zinzendorf conheceu alguns nativos das Índias Ocidentais e da Groenlândia. Regressou a Herrnhut, na Saxônia, a sede do movimento, cheio de fervor missionário e, em conseqüência disso, dois obreiros, Leonhard Dober e David Nitschmann, iniciaram uma missão aos escravos africanos em Saint Thomas, nas Ilhas Virgens, em 1732. Christian David e outros missionários foram para a Groenlândia no ano seguinte.

Em 1734, um grupo liderado por August Gottlieb Spangenberg (1704-1792) começou a trabalhar na Geórgia, no sul dos futuros Estados Unidos. No Natal de 1741, o próprio Zinzendorf visitou a América e deu o nome de Bethlehem (Belém) à colônia que os morávios da Geórgia estavam criando mais ao norte, na Pensilvânia. Essa cidade se tornaria a sede americana do movimento. O mais famoso missionário morávio aos índios norte-americanos foi David Zeisberger (1721-1808), que trabalhou entre os creeks da Geórgia a partir de 1740 e entre os iroqueses desde 1743 até a sua morte.

Herrnhut, na Alemanha, tornou-se um vigoroso centro de atividade missionária, iniciando missões no Suriname, Costa do Ouro, África do Sul, Argélia, Guiana, Jamaica, Antigua e outros locais. Em 1748, foi iniciada uma missão aos judeus em Amsterdã. Até 1760, o ano da morte de Zinzendorf, os morávios haviam enviado 226 missionários a dez países e cerca de 3.000 mil conversos tinham sido batizados. Outros locais alcançados posteriormente foram o Egito, Labrador, Espanha, Ceilão, Romênia e Constantinopla.

Em 1832, havia 42 estações missionárias morávias ao redor do mundo. Os nomes dos primeiros campos missionários mostram uma característica do trabalho morávio: em geral eram locais difíceis e inóspitos, exigindo uma paciência e dedicação toda especial, traço que até hoje caracteriza o trabalho missionário desse grupo.

Uma reunião de oração excepcional
O renascimento da igreja morávia, em maio de 1727, havia resultado em grande parte de uma forte ênfase na oração. Nos meses seguintes, um espírito de oração tomou conta da pequena comunidade evangélica. No dia 27 de agosto daquele ano, 24 homens e 24 mulheres comprometeram-se a orar uma hora por dia de forma seqüencial, de modo que sempre houve alguém orando por missões.

Essa “vigília de oração” sensibilizou Zinzendorf e a comunidade morávia a tentarem alcançar outros para Cristo. Seis meses após o início da vigília, o conde desafiou os companheiros a evangelizarem as Índias Ocidentais, a Groenlândia, a Turquia e a Lapônia. No dia seguinte, 26 morávios se ofereceram como voluntários para as missões mundiais, aonde quer que Deus quisesse levá-los.

A vigília de oração prosseguiu sem interrupção, vinte e quatro horas por dia, durante mais de 100 anos. Em 1792, sessenta e cinco anos após o início da vigília, a pequena comunidade morávia havia enviado 300 missionários até os confins da terra.

A teoria de missões de Zinzendorf
Zinzendorf estabeleceu alguns princípios que deveriam nortear a atividade missionária dos morávios. Eles são os seguintes:

·         Busquem os primeiros frutos. Zinzendorf dizia aos voluntários que partiam de Herrnhut: “Não tenham como alvo a conversão de nações inteiras. Simplesmente procurem pessoas interessadas pela verdade, que, como o eunuco etíope, pareçam prontas para abraçar o evangelho” (ver Atos 8.27-28). Assim, os missionários morávios não saíam para o campo com expectativas exageradas. Isso os capacitava a enfrentar muitas situações em que os frutos surgiam lentamente, mas também lhes proporcionava profunda alegria quando grandes números de pessoas estavam prontas para abraçar a Cristo. Associada a isso estava a sua dependência do Espírito Santo, que, como o verdadeiro evangelista, os conduziria a almas como Cornélio ou o eunuco.
·         Preguem a Cristo. “Em segundo lugar”, instruía Zinzendorf, “vocês devem ser objetivos e falar-lhes sobre a vida e a morte de Cristo”. Alguns missionários haviam ido para culturas pagãs e tinham tentado em vão ensinar teologia ou começar com verdades sobre Deus. Zinzendorf partia do pressuposto de que os pagãos já sabiam sobre Deus, mas precisavam conhecer sobre o Salvador, especialmente seus sofrimentos sobre a cruz.
·         Vão para os povos esquecidos. As primeiras pessoas buscadas pelos morávios foram os escravos negros. Nos anos seguintes eles foram para os leprosos, os esquimós, os índios, os africanos, e parecem ter sido os primeiros a buscarem sistematicamente a conversão dos judeus.
·         Pelo reino de Cristo. Os morávios têm buscado aumentar o reino de Cristo, e não a sua própria expansão denominacional. Inúmeras sociedades de cristãos zelosos das igrejas tradicionais da Europa e da Inglaterra oraram, contribuíram e forneceram voluntários para a causa missionária mundial dos morávios no século 18.
·         Sejam auto-sustentados. Hutton observou que, na missão das Índias Ocidentais, “por mais de cem anos ninguém recebeu um centavo da Igreja Morávia por seus serviços; cada um... primeiro tinha de ganhar o seu próprio sustento”. Essa política era seguida em toda parte. Na década de 1750, uma carta do Suriname dizia: “O irmão Kam está colhendo café; o irmão Wenzel conserta sapatos; o irmão Schmidt está fazendo uma roupa para um freguês”.

Com seu heroísmo, apego às Escrituras e consagração a Deus, os irmãos morávios, embora pouco numerosos, exerceram uma forte influência espiritual sobre outros grupos e movimentos protestantes, especialmente na Inglaterra.

A convivência com alguns morávios causou profundo impacto em João Wesley e contribuiu para a sua conversão e o surgimento do metodismo. William Carey, o pioneiro das missões batistas, os admirava grandemente e apelou para o seu exemplo de obediência. Eles também inspiraram a criação de duas das primeiras agências protestantes de missões – a Sociedade Missionária de Londres (1795) e a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (1804).

WILLIAM CAREY, O PAI DAS MISSÕES MODERNAS
por Marcos Granconato

Durante certo tempo, William Carey acumulou as funções de pastor, professor de tempo parcial e sapateiro na sua pequena aldeia. Na verdade, desde a juventude ele atuara como pregador leigo, mas só em 1785 recebeu o convite para ser pastor em uma pequena igreja batista. Mais tarde, foi chamado para pastorear uma igreja maior em Leicester, mas mesmo assim ainda precisava trabalhar em outras atividades para sustentar a família.

Como pastor, Carey revelava uma preocupação muito grande com o estudo. Quem chegasse em sua humilde casa, caracterizada pelas lindas flores que ele mesmo cultivava, sempre o encontraria com um livro. Foi durante seus anos de pastorado, marcados especialmente pela leitura, que Carey passou a desenvolver sua visão missionária, concluindo, para surpresa da igreja e dos ministros cristãos de seus dias, que a evangelização do mundo era a principal responsabilidade da noiva de Cristo.

Uma das dificuldades que William Carey teve de enfrentar para incutir a necessidade do envio de missionários às nações pagãs foi o hipercalvinismo reinante em seus dias, segundo o qual a conversão dos pagãos ocorreria, caso o Senhor quisesse, sem o auxílio de quem quer que fosse.

Foi para quebrar essa mentalidade que o pai das missões modernas escreveu um tratado intitulado Uma investigação sobre o dever dos cristãos de empregarem meios para a conversão dos pagãos" (1792). Tratava-se de uma exposição e análise do mundo de seus dias que refletia a necessidade urgente da pregação do Evangelho às nações de todos os continentes. Nesse tratado, Carey também expõe argumentos lógicos e teológicos apresentando-os como fundamentos para o envio de missionários aos pagãos, frisando especialmente que o Reino de Cristo tem de ser proclamado a toda a terra.

Num sermão sobre Isaías 54.2-3, dirigido a um grupo de pastores batistas em Nottingham, no dia 31 de maio de 1792, Carey reforçou os apelos constantes da sua Investigação e pronunciou a frase que se tornou célebre como a filosofia de trabalho do grande missionário: "Realizar grandes coisas para Deus; esperar grandes coisas de Deus".

A força dos argumentos de Carey e o vigor do seu entusiasmo resultaram na formação da Sociedade Missionária Batista, organizada em setembro de 1792. Menos de um ano depois, em junho de 1793, ele e sua família partiram para a Índia como membro da referida sociedade. Carey chegou em Hooghly no dia 11 de novembro de 1793, marcando o início da grande era das missões além mar, promovidas pela Inglaterra e Estados Unidos.

Dois missionários se juntaram à William Carey em 1799, William Ward e Joshua Marshman. Juntos eles fundaram 26 igrejas, 126 escolas com 10.000 alunos, traduziram as Escrituras em 44 línguas, produziram gramáticas e dicionários, organizaram a primeira missão médica na Índia, seminários, escola para meninas, e o jornal na língua Bengali. Além disso, William Carey foi responsável pela erradicação do costume "suttee", o qual queimava a viúva juntamente com o corpo do defunto numa fogueira; fundação da Sociedade de Agricultura e Horticultura na Índia em 1820; primeira imprensa, a tradução da Bíblia em Sânscrito, Bengali, Marati, Telegu e nos idiomas dos Siques.

 Em 1800, William Carey fez o batismo do primeiro hindu convertido ao Evangelho. Durante mais de trinta anos, William Carey foi professor de línguas orientais no Colégio de Fort Williams. Fundou, também, o Serampore College para ensinar os obreiros. Sob a sua direção, o colégio prosperou, preenchendo um grande vácuo na evangelização do país. Os seus esforços inspiraram a fundação de outras missões, dentre elas: a Associação Missionária de Londres, em 1795; a Associação Missionária da Holanda, em 1797; a Associação Missionária Americana, em 1810; e a União Missionária Batista Americana, em 1814.

Para conhecer mais da vida e obra de William Carey, visite < http://www.williamcarey.co.uk >.


ASHBEL GREEN SIMONTON, UM PIONEIRO DO EVANGELHO NO BRASIL
por Dom Robinson Cavalcanti

Embora as igrejas protestantes de imigrantes (anglicanas e luteranas) já estivessem estabelecidas no Brasil durante os períodos do Reino Unido e do Primeiro Reinado, é na segunda metade do século XIX (Segundo Reinado e Primeira República) que aportaram aqui os pioneiros do protestantismo de missão aos brasileiros, e em língua portuguesa, são eles:

1.    Igreja Congregacional: Rev. Robert Reid Kalley – 1855;
2.    Igreja Presbiteriana: Rev. Ashbel Green Simonton – 1859;
3.    Igreja Metodista: Rev. Junius E. Newman – 1867;
4.    Igreja Batista: Reverendos William Buck Bagby e Zacarias Clay Taylor;
5.    Igreja Episcopal (Anglicana): Reverendos Lucien Lee Kinsolving (primeiro bispo) e James Watson Morris – 1890.

Esses cinco ramos reformados foram os únicos entre 1855 e 1909, conseguindo se expandir nacionalmente, sob as restrições legais da Constituição Imperial, de 1824, e sob a severa perseguição social durante o período republicano (após 1889).

Simonton destacou-se por organizar o primeiro jornal protestante da América do Sul (1864), a primeira escola paroquial (1866), o primeiro seminário (1867) e ordenou o primeiro pastor brasileiro (1865). Ele desembarcou no Rio de Janeiro em 1859 e morreu de febre amarela em São Paulo, aos 34 anos, em 1867. Uma vida breve, que mudou a história”.

Para conhecer mais a história da evangelização do Brasil, consulte o livro: História da Evangelização do Brasil, Elben Lenz César. Editora Ultimato.

APLICAÇÃO
A evangelização do mundo é uma missão dada por Jesus aos seus discípulos. Todo cristão está encarregado do compromisso de comunicar o evangelho com o seu próximo e sinalizar o reino de Deus em sua cultura, e a Igreja de Jesus está incumbida de anunciar as boas novas do evangelho de Jesus aos confins da terra. Isso significa que de alguma forma nós temos responsabilidade nessa nobre tarefa, seja contribuindo com aqueles que irão fazer essa obra, ou seja, se voluntariando para a obra missionária.

A aula de hoje nos mostra como comunidades e homens de Deus foram usados para a proclamação e promoção do reino de Deus em lugares distantes e até então inalcançados. Dentre esses lugares, encontra-se a nossa terra amada Brasil. Nós somos fruto do esforço e obediência de homens e mulheres que ofertaram sua vida para que o evangelho chegasse até nós. Hoje, com uma igreja nacional desenvolvida, nos cabe a responsabilidade de pensar, sonhar, orar, investir e se voluntariar nessa grande comissão dada a nós pelo próprio Senhor Jesus Cristo, missão essa que vai passando de povo a povo, como numa corrida de bastão, na qual o precioso tesouro que carregamos é as boas novas do reino de Deus.

MEMORIZAR VERSÍCULO
Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.Mateus 28:19-20


QUESTÕES
Quais princípios deveriam nortear a atividade missionária dos moravianos? Você concorda com eles?
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Como William Carey enfrentou a oposição da sua geração a obra missionária?
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Através da breve apresentação biográfica de Carey, como você percebe que ele enxergava a obra missionária?
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Simonton foi um dos missionários pioneiros na evangelização do Brasil. Você sabe quais foram os desafios enfrentados por ele?
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MATERIAL UTILIZADO
·      Cairns, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos, São Paulo 2008. Editora Vida Nova.
·    Até aos confins da terra: as missões morávias, por Alderi de Souza Matos. Universidade Mackenzie < http://www.mackenzie.br/6979.html>
·    William Carey: a vida e a obra do pai das missões modernas. Marcos Granconato. Igreja Batista da Redenção < http://www.igrejaredencao.org.br/ibr>
·  Dom Robinson Cavalcanti. Simonton: um pioneiro do Evangelho. Editora Ultimato < http://www.ultimato.com.br >
·      Williams, Terri. Cronologia da História Eclesiástica, São Paulo 1993. Edições Vida Nova.

domingo, 11 de setembro de 2011

ESTRATÉGIA DE BOAS NOVAS

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 29)


TEXTO BASE: Atos 18-19

Quando contrastamos cuidadosamente o evangelismo contemporâneo com o de Paulo, a superficialidade logo aparece. Nossa evangelização tende a se concentrar simplesmente em convidar pessoas para a igreja. Paulo também saiu levando a mensagem para o mundo secular. Nossa evangelização apela para as emoções em busca de decisão sem a adequada base de entendimento. Paulo ensinou, arrazoou e tentou persuadir. Nosso evangelismo é superficial, realizando encontros breves e esperando resultados rápidos. Paulo permaneceu em Corinto e Éfeso por cinco anos, espalhando fielmente a semente do evangelho e no tempo devido fazendo a colheita.

"Teve Paulo durante a noite uma visão em que o Senhor lhe disse: Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade" Atos 18:9-10

A aula foi extraída do guia de estudos bíblicos: O Espírito em ação – John Stott

domingo, 4 de setembro de 2011

DESDOBRAMENTOS DA REFORMA - PURITANISMO (História da Igreja VIII)

Aula preparada a partir do artigo Os puritanos: sua origem e história, por Alderi de Souza Matos. Universidade Mackenzie

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 28)

TEXTO BASE: Romanos 12:1-2

INTRODUÇÃO
O puritanismo foi um movimento em prol da reforma completa da Igreja da Inglaterra que teve início no reinado de Elizabete I (1558) e continuou por mais de um século como uma grande força religiosa na Inglaterra e também nos Estados Unidos. “Uma versão militante da fé reformada” (Dewey D. Wallace, Jr.).
O termo puritanismo tem um sentido positivo original do termo “puritano” e outro sentido pejorativo atual (rigidez, moralismo, intolerância). A ênfase principal do movimento foi a preocupação com a pureza e integridade da igreja, do indivíduo e da sociedade.

CONTEXTO
O puritanismo é uma mentalidade ou atitude religiosa que começou cedo na história da Inglaterra. Desde o século 14, surgiu uma tradição de profundo apreço pelas Escrituras e questionamento de dogmas e práticas da igreja medieval com base nas mesmas.

Começou com o “pré-reformador” João Wycliffe e os seus seguidores, os lolardos, através da publicação da primeira Bíblia Inglesa completa em 1384, na época do “Grande Cisma”. Wycliffe afirmou a autoridade suprema das Escrituras, definiu a igreja verdadeira como o conjunto dos eleitos, questionou o papado e a transubstanciação.

O protestantismo inglês sofreu a influência de Lutero e especialmente da teologia reformada continental, a Reforma Suíça de Zurique (Zuínglio, Bullinger) e Genebra (Calvino, Beza). As ênfases foram: colocação da verdade antes da tradição e da autoridade; e insistência na liberdade de servir a Deus da maneira que se julgava mais acertada.

Alguns protestantes que se destacaram:

• William Tyndale (†1536) – compromisso com as Escrituras, ênfase na teologia do pacto. Tradutor da Bíblia - NT (1525); cruelmente perseguido; estrangulado e queimado em Antuérpia, na Bélgica.

• John Hooper (†1555) – as Escrituras devem regular a estrutura eclesiástica e o comportamento pessoal.

• John Knox (†1572) – reforma completa da igreja e do estado.

UM POUCO DE HISTÓRIA
(a) Henrique VIII (1509-1547) – criou a Igreja Anglicana, uma igreja nacional inglesa de orientação nitidamente católica. Em 1539, impôs os Seis Artigos, com severas punições para os transgressores (“o açoite sangrento de seis cordas”). Incluíam a transubstanciação, a comunhão em uma só espécie, o celibato clerical, votos de castidade para leigos, missas particulares, confissão auricular, etc.

Duas reações dos protestantes: conformação – por exemplo, o arcebispo Thomas Cranmer a princípio de opôs, mas depois se submeteu e separou-se da esposa; protesto – Miles Coverdale, John Hooper e outros, que tiveram de fugir do país e foram para a Suíça. Sob a influência continental, começaram a se opor ao cerimonialismo religioso.

(b) Eduardo VI (1547-1553) – nessa época, a influência dos partidários de uma reforma profunda da igreja inglesa se tornou mais forte. John Hooper dispôs-se a aceitar um bispado que lhe foi oferecido, mas não a ser investido no ofício do modo prescrito, com o uso das vestes litúrgicas. Acabou sendo lançado na prisão por algum tempo. Foi o primeiro a expor claramente o argumento acerca das vestes. Não eram coisas indiferentes, e sim resquícios do catolicismo. Começa a surgir uma nítida distinção entre anglicanismo e puritanismo.

(c) Maria I (1553-1558) – tentou restaurar a Igreja Católica na Inglaterra e perseguiu os líderes protestantes. Muitos foram executados – Hugh Latimer (†1555), Nicholas Ridley (†1555) e Thomas Cranmer (†1556) – mártires marianos. Outros fugiram para o continente (Genebra, Zurique, Frankfurt), entre eles John Knox e William Whittingham, o principal responsável pela Bíblia de Genebra. Nesse período surgiram em Londres as primeiras igrejas independentes.

(d) Elizabete I (1558-1603) – inicialmente esperançosos, os puritanos se decepcionaram amargamente. A rainha insistiu em controlar a igreja, manteve os bispos e as cerimônias. A mesma divisão anterior se manifestou entre os líderes imbuídos de convicções protestantes – alguns, como Matthew Parker, Richard Cox, Edmund Grindal e John Jewel, protestaram no início, mas acabaram acomodando-se ao status quo. Aceitaram bispados e outras posições eclesiásticas sob o argumento de que, se recusassem esses ofícios, Elizabete nomearia católicos romanos em lugar deles. Outros, como Thomas Sampson, Miles Coverdale, John Foxe e Lawrence Humphrey, desafiaram a rainha.

Os puritanos surgem com esse nome no contexto da “Controvérsia das Vestimentas” (1563-1567) – protesto contra vestimentas clericais (propunham o uso de togas genebrinas) e cerimônias como ajoelhar-se à Ceia do Senhor, dias santos e sinal da cruz no batismo. Nas décadas seguintes, intensificaram-se as medidas disciplinares da igreja e do estado contra os puritanos estritos (“não-conformistas”). Cristalizou-se o anglicanismo clássico, cujo principal teórico foi Richard Hooker, com sua obra Leis de Política Eclesiástica (1593). Em 1593 foi aprovado o rigoroso “Ato contra os Puritanos”.

(e) Tiago I (1603-1625) – esse rei havia recebido uma educação calvinista na Escócia, o que encheu de esperanças os puritanos. Eles lhe apresentaram a Petição Milenária, que foi totalmente rejeitada na Conferência de Hampton Court (1604). Alguns puritanos se desligaram inteiramente da Igreja da Inglaterra, entre eles um grupo que foi para a Holanda e depois para a América, fundando em 1620 a Colônia de Plymouth, em Massachusetts.

(f) Carlos I (1625-1649) – esse rei manteve a política de repressão contra os puritanos, o que levou um grupo não-separatista a ir para Massachusetts em 1630. No final do seu reinado, entrou em guerra contra os presbiterianos escoceses e contra os puritanos ingleses. Estes eram maioria no Parlamento e convocaram a Assembléia de Westminster (1643-49), que elaborou os famosos e influentes documentos da fé reformada.
Infelizmente, os puritanos não formavam um movimento coeso. Estavam divididos principalmente no que se refere à forma de governo da igreja. Existiam vários grupos: presbiterianos, congregacionais, episcopais, batistas. Alguns eram separatistas e outros não-separatistas, como os “independentes” (congregacionais moderados). A Guerra Civil terminou com a derrota e execução do rei.

(g) Oliver Cromwell – congregacional, líder das forças parlamentares que derrotaram o rei Carlos I. Tornou-se o “Lorde Protetor” da Inglaterra. Durante o Protetorado ou Comunidade Puritana (1649-1658), a Igreja da Inglaterra foi inicialmente presbiteriana e depois congregacional. Todavia, as rivalidades religiosas levaram ao restabelecimento da monarquia – a Restauração.

(h) Carlos II (1660-1685) - expulsou cerca de 2000 ministros puritanos da Igreja da Inglaterra. A Grande Expulsão (1662) marcou o fim do puritanismo anglicano. Embora perseguidos, sobreviveram como dissidentes (“dissenters”) fora da igreja estatal e eventualmente criaram igrejas batistas, congregacionais e presbiterianas.

(i) Tiago II (1685-1689) – tentou restaurar o catolicismo, mas foi derrotado pelo holandês Guilherme de Orange, esposo de sua filha Maria – a Revolução Gloriosa.

(j) Guilherme e Maria (1689-1702) – mediante um decreto, foi concedida tolerância aos “dissenters” (presbiterianos, congregacionais e batistas), cerca de um décimo da população. A essa altura, os melhores dias do puritanismo já haviam ficado para trás.

O puritanismo americano foi muito dinâmico e influente por pouco mais de um século, desde os primórdios na Nova Inglaterra (1620) até o Grande Despertamento (1740). Alguns nomes notáveis dessa tradição foram John Cotton, William Bradford, John Winthrop, John Eliot, Thomas Hooker, Cotton Mather e Jonathan Edwards.

Curiosidade 1
Herdeiros recentes da tradição puritana: Charles H. Spurgeon, D. M. Lloyd-Jones, J. I. Packer e James M. Boice.

Curiosidade 2
A Igreja Presbiteriana do Brasil adota a confissão de fé de Westminster.

O PERFIL PURITANO

O puritanismo influenciou a tradição reformada no culto, o governo eclesiástico, a teologia, a ética e a espiritualidade. Quatro convicções básicas os moviam: (1) a salvação pessoal vem inteiramente de Deus; (2) a Bíblia constitui o guia indispensável para a vida; (3) a igreja deve refletir o ensino expresso das Escrituras; (4) a sociedade é um todo unificado.

O sentido original do termo “puritano” apontava para a purificação da igreja. Os puritanos não estavam interessados somente na purificação do culto e do governo eclesiástico. Todo o corpo político também precisava de purificação. Apoiando-se em Martin Bucer e João Calvino, eles insistiram na criação de uma sociedade cristã disciplinada. Achavam que uma nação inteira podia fazer uma aliança com Deus para a realização desse ideal. Esperanças milenaristas e o exemplo do Israel bíblico os impeliram nessa direção.

Os pregadores-teólogos puritanos escreveram com detalhes sobre a maneira pela qual a graça de Deus poderia ser identificada na experiência humana, indo além de religiosidade formal e expressando-se numa transformação interior da morte no pecado para a vida em Cristo, com base na fé. Os diários e autobiografias dos puritanos revelam quão intensa essa luta podia ser e como se tornaram pessoais os grandes temas da teologia reformada.

Sem negligenciar a obra e o ser de Deus ou os grandes temas da eleição, vocação, justificação, adoção, santificação e glorificação, a ênfase dos teólogos puritanos na experiência religiosa e na piedade prática deu aos seus escritos um teor incomum entre os teólogos reformados de outras partes da Europa. Um bom exemplo disso é O Peregrino (1676), de John Bunyan.

A ênfase prática da teologia puritana levou-a a dar grande atenção à ética pessoal e social em casos de consciência, discussões sobre vocação e o relacionamento entre a família, a igreja e a comunidade no propósito redentor de Deus.

A reforma do culto e da prática religiosa popular, ouvindo e obedecendo a palavra de Deus, bem como a santificação do tempo convergiram no desenvolvimento do sabatarianismo, um dos legados mais duradouros da teologia puritana aplicada.

TEOLOGIA
Segundo William Ames, a teologia “é para nós a suprema e a mais nobre das disciplinas exatas. É um guia e plano-mestre para o nosso fim mais elevado, enviado por Deus de maneira especial, tratando das coisas divinas... Não existe preceito de verdade universal relevante para se viver bem em economia doméstica, moralidade, vida política e legislação que não pertença legitimamente à teologia” (A medula da teologia, 1623).

Os puritanos eram estritos defensores da teologia reformada, que inicialmente tinham em comum com a Igreja da Inglaterra (os Trinta e Nove Artigos ensinavam a doutrina reformada da Ceia do Senhor e afirmavam a predestinação). Depois que muitos anglicanos adotaram uma posição mais arminiana (1620), os puritanos defenderam vigorosamente o calvinismo devido à sua afirmação intransigente da graça imerecida de Deus.

Os puritanos escreveram uma enorme literatura sobre a vida espiritual, incluindo sermões, meditações, exposições bíblicas práticas, biografias e autobiografias. Essa literatura dava ênfase a temas como a experiência pessoal de conversão, a regeneração pelo Espírito Santo, a união mística da alma com Cristo, a busca de certeza da salvação e o crescimento em santidade de vida.

A maior expressão dessa “teologia afetiva” foi a alegoria de John Bunyan (†1688), O Peregrino, que retratou a vida cristã como peregrinação e luta espiritual.

PURITANOS NOTÁVEIS
William Perkins (1558-1602) – sua teologia foi o primeiro grande exemplo de uma síntese da teologia reformada aplicada à transformação da sociedade, igreja e indivíduos da Inglaterra elizabetana. Em sua obra mais famosa, Armilla Aurea (A corrente de ouro – 1590), ele expôs a tradição reformada em torno do tema da teologia como “a arte de viver bem”. Deu ênfase à majestade da ordem de Deus e sua implicações sociais e pessoais. Foi o primeiro teólogo elizabetano com uma reputação internacional. Também destacou-se extraordinariamente como pregador.

Richard Sibbes (1577-1635) – foi estudante e professor em Cambridge. Exemplificou a síntese entre profundidade bíblica e sensibilidade pastoral que caracterizou a teologia puritana no que tinha de melhor. Seus escritos são práticos antes que sistemáticos e mostram claramente porque as ênfases puritanas foram assimiladas tão plenamente pelos leigos. Escritos seus como A Porção do Cristão e A Exaltação de Cristo Comprada por sua Humilhação revelam não só uma rica soteriologia, mas profundas percepções sobre a criação e a encarnação.

Richard Baxter (1615-1691) – foi ordenado em 1638 e dois anos depois rejeitou o episcopalismo. De 1641 a 1660 foi ministro de uma paróquia em Kidderminster. Após a guerra civil, apoiou a Restauração e tornou-se capelão de Carlos II. Excluído da Igreja da Inglaterra após o Ato de Uniformidade (1662), continuou a pregar e foi encarcerado em 1685 e 1686. Tomou parte na deposição de Tiago II e deu as boas-vindas ao Ato de Tolerância de Guilherme e Maria. Suas obras incluem O Repouso Eterno dos Santos (1650) e O Pastor Reformado (1656).

John Owen (1616-1683) – ao lado de Baxter, o grande pensador sistemático da tradição teológica puritana. Educado em Oxford, enfrentou uma longa luta espiritual em busca da certeza de salvação, que terminou por volta de 1642. Dedicou seus formidáveis dotes intelectuais à causa parlamentar. Inicialmente presbiteriano, converteu-se à posição independente através da leitura de John Cotton. Fez uma vigorosa exposição do calvinismo clássico em Uma Exibição do Arminianismo (1643). Em A Morte da Morte na Morte de Cristo (1647) fez uma brilhante apresentação da doutrina da expiação limitada. Até o fim da vida trabalhou por uma igreja nacional mais abrangente e pela reconciliação dos dissidentes rivais.

John Bunyan (1628-1688) – após lutar na guerra civil, em 1653 filiou-se a uma igreja independente em Bedford. Um ou dois anos depois, começou a pregar com boa aceitação. Foi aprisionado de modo intermitente entre 1660 e 1672, o que lhe permitiu escrever sua obra-prima, O Progresso do Peregrino (1678), e outros escritos. Após 1672, dedicou-se à pregação e ao evangelismo em sua região. Outras obras famosas de sua lavra são A Guerra Santa (1682) e Graça Abundante para o Principal dos Pecadores (1666).

APLICAÇÃO
A contribuição do movimento puritano é enorme para o cristianismo, com ênfase na ética pessoal e social. E isso está de acordo com os ensinos das Escrituras, uma vez que o apóstolo Paulo nos lembra que o verdadeiro culto a Deus envolve a consagração de toda a nossa vida e desemboca nas tarefas ordinárias da vida. A fé cristã combate o pensamento dominante de um mundo secular e nos convoca ao desenvolvimento de uma cosmovisão cristã, na qual Deus está reconciliando consigo o mundo através de Cristo.

MEMORIZAR VERSÍCULO
Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Romanos 12:1-2
QUESTÕES
Quais as divergências dos puritanos com a igreja inglesa?
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Como os puritanos acreditavam que a fé cristã se relacionava com a sociedade e o mundo?
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Qual a relação do movimento puritano com a famosa Confissão de Fé de Westiminster?
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Quais as contribuições do movimento puritano para nós hoje?
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Qual a importância de ler e estudar a Bíblia para o desenvolvimento da sua fé?
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MATERIAL UTILIZADO
Os puritanos: sua origem e história, por Alderi de Souza Matos. Universidade Mackenzie

domingo, 28 de agosto de 2011

CIDADE DE ÍDOLOS

A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 27)


TEXTO BASE: Atos 17:16-17:34

Ídolos não são características apenas de sociedades primitivas; existem ídolos sofisticados também. Um ídolo é um substituto para Deus. Qualquer pessoa ou coisa que ocupe um lugar que deveria ser de Deus é um ídolo. Cobiça é idolatria. Ideologias podem ser idolatria. Do mesmo modo a fama, riqueza e poder, sexo, alimento, álcool e outras drogas. Pessoas podem ser ídolos – pais, cônjuges, filhos e amigos. As possibilidades incluem o trabalho, a recreação, televisão e propriedades. Até igreja, religião e serviço cristão podem ser idolatrados.

"No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam.". Atos 17:30

A aula foi extraída do guia de estudos bíblicos: O Espírito em ação – John Stott, Editora Cultura Cristã

domingo, 21 de agosto de 2011

William Wilberforce (Biografia VI)

Aula organizada a partir do artigo “William Wilberforce: "Todos vós sois um em Cristo Jesus"” de direitos autorais de RENAS - Rede Evangélica Nacional de Ação Social.
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A História do Cristianismo Através dos Séculos (aula 26)

"O Deus todo-poderoso tem colocado sobre mim dois grandes objetivos: a supressão do comércio escravocrata e a reforma dos costumes”.
TEXTO BASE: Gálatas 6:9

CONTEXTO
No século 18, a Inglaterra detinha o monopólio do comércio de escravos negros. Os meios de transporte eram os mais cruéis imagináveis. Boa parte da população inglesa tirava proveito desse comércio, e o povo, de maneira geral, aceitava a escravidão. Havia aqueles que enriqueciam e, por isso, defendiam com veemência o escravagismo. Mas Deus graciosamente ergueu uma geração de políticos cristãos para lutar contra o que William Carey chamou de "maldito comércio de escravos".

VIDA – PRECIOSA GRAÇA
É surpreendente que nenhum grande reformador da história ocidental seja tão pouco conhecido como William Wilberforce. Ele nasceu numa família nobre da Inglaterra, na cidade portuária de Hull, em Yorkshire, em 24 de agosto de 1759. Naquela época, como hoje, a aristocracia vivia em meio a contradições: nela se encontravam alguns dos grandes benfeitores da nação e alguns de seus maiores corruptores. Wilberforce era fruto dessas ambigüidades.

Após estudar em uma escola em Pocklington, foi aceito em 1776 no St. John's College, na Universidade de Cambridge, onde decidiu dedicar-se à carreira política, tendo sido eleito representante de seu povoado aos 21 anos de idade. Além de repartir o dinheiro que possuía, mandou fazer um grande churrasco para todo o vilarejo, o que lhe valeu um bom número de votantes. Aos 24 anos, já era um político famoso por sua eloqüência e acabou por ser eleito representante de Yorkshire, o maior e mais importante condado da Inglaterra, chegando a Londres cheio de popularidade.

Em 1784, ainda aos 24 anos de idade, partiu para uma viagem a Nice, na França, que traria grande transformação em seu caráter. Levou consigo a mãe, Elizabeth, a irmã Sally, uma amiga dela e Isaac Milner, seu antigo professor primário, e que veio a se tornar presidente do Queen's College, na Universidade de Cambridge. Na bagagem de Milner, Wilberforce viu uma cópia do livro de Philip Doddridge - mais conhecido por ter escrito o famoso hino "Oh! Happy Day" [Oh! Dia Feliz!] -, The Rise and Progress of Religion in the Soul [O começo e o progresso da religião na alma]. Ele perguntou para seu amigo o que era aquilo e recebeu a resposta: "Um dos melhores livros já escritos". Os dois concordaram em lê-lo juntos na jornada.

A leitura desse livro e das Escrituras, acompanhada de conversas com Milner, levaram o jovem político à conversão. Ele declarou em seu diário, em fins de outubro daquele ano:

Assim que me compenetrei com seriedade, a profunda culpa e tenebrosa ingratidão de minha vida pregressa vieram sobre mim com toda sua força, condenei-me por ter perdido tempo precioso, oportunidades e talentos [...]. Não foi tanto o temor da punição que me afetou, mas um senso de minha grande pecaminosidade por ter negligenciado por tanto tempo as misericórdias indescritíveis de meu Deus e Senhor. Eu me encho de tristeza. Duvido que algum ser humano tenha sofrido tanto quanto eu sofri naqueles meses.

Wilberforce começou um programa que durou toda sua vida, de separar os domingos e um intervalo a cada manhã para se dedicar à oração e às leituras espirituais.

UMA LONGA E DURA LUTA
Já de volta a Londres, a vida de Wilberforce tomou novos rumos. Ele considerou suas opções, inclusive o ministério cristão, mas foi convencido por John Newton que Deus o queria permanecendo na política, em vez de entrar para o ministério. "Espera e crê que o Senhor te levantou para o bem da nação", escreveu Newton.
Depois de muito pensar e orar, Wilberforce concluiu que Newton estava certo. Deus o chamara para defender a liberdade dos oprimidos como parlamentar. "Minha caminhada é de vida pública. Meu negócio está no mundo, e é necessário que eu me misture nas assembléias dos homens ou deixe o cargo que a Providência parece ter-me imposto", escreveu em seu diário, em 1788.

Outro que o influenciou fortemente foi John Wesley. Newton e Wesley tinham, além de uma fé vibrante no evangelho, uma forte convicção de que não havia maior pecado pesando sobre as costas do Império Britânico do que o terrível e abominável tráfico de escravos, que Wesley batizara de "execrável vileza".

Bruce Shelley diz que os ingleses entraram nesse comércio em 1562, quando Sir John Hawkins pegou uma carga de escravos em Serra Leoa e a vendeu em São Domingos. Então, depois que a monarquia foi restaurada em 1660, o rei Carlos II deu uma concessão especial para uma companhia que levava 3 mil escravos por ano para as Índias Orientais. A partir daí, o comércio cresceu e atingiu enormes proporções. Em 1770, os navios ingleses transportavam mais da metade dos cem mil escravos vindos da África Oriental. Muitos ingleses consideravam o tráfico de escravos inseparavelmente ligado ao comércio e à segurança nacional da Grã-Bretanha.

“Eu não sou um homem e um irmão?” ("Am I Not A Man And A Brother?") medalhão criado por um partido contra a escravidão, por Josiah Wedgwood, 1787


John Wesley escreveu sua última carta a Wilberforce, em 24 de fevereiro de 1791, seis dias antes de morrer, encorajando-o a executar o plano da abolição da escravatura. Um parágrafo dessa carta diz o seguinte: "Oh! Não vos desanimeis de fazer o bem. Ide avante, em nome de Deus, e na força do seu poder, até que desapareça a escravidão americana, a mais vil que o sol já iluminou".
Diagrama de um navio negreiro, o Brookes, ilustrando as condições desumanas a bordo de tais navios

Foi por conta dessas influências que Wilberforce decidiu dedicar toda a força de sua juventude e todo o talento que tinha a um único objetivo que consumiria toda sua vida: a abolição do tráfico negreiro. Algum tempo depois, num domingo, 28 de outubro de 1787, ele escreveu em seu diário as palavras que se tornaram famosas: "O Deus todo-poderoso tem colocado sobre mim dois grandes objetivos: a supressão do comércio escravocrata e a reforma dos costumes”.

Uma fonte de estímulo nessa luta foi sua participação ativa no chamado Grupo de Clapham (Clapham Sect), constituído de pessoas ricas cujas residências ficavam em Clapham, um elegante bairro localizado a 8 quilômetros de Londres, que apoiava muitos líderes leigos na busca de uma reforma social, liderados por um humilde ministro anglicano, John Venn. Como destacam Clouse, Pierard & Yamauchi, o Grupo de Clapham foi, de longe, a mais importante expressão anglicana na esfera da ação social. Esse grupo de leigos geralmente se reunia para estudar a Bíblia, orar e dialogar na biblioteca oval de Henry Thornton, um rico banqueiro que todo ano doava grande parte de seus rendimentos para a filantropia.

Outros que participavam do grupo eram: Charles Grant, presidente da Companhia das Índias Orientais; James Stephens, cujo filho, chefe do Departamento Colonial, auxiliou bastante os missionários nas colônias; John Shore, Lorde Teignmouth, governador-geral da Índia e primeiro presidente da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira; Zachary Macauley, editor do Observador Cristão; Thomas Clarkson, famoso líder abolicionista; a educadora Hannah More, além de outros líderes evangélicos. Dentre várias atividades, eles ajudaram a fundar a colônia de Serra Leoa, onde escravos libertos poderiam viver livres.

Clouse, Pierard & Yamauchi dizem: Este grupo uniu-se numa intimidade e solidariedade incríveis, quase como uma grande família. Eles se visitavam e moravam um na casa do outro, tanto em Clapham, como na própria Londres e no campo. Ficaram conhecidos como 'os Santos' por causa de seu fervor religioso e desejo de estabelecer a retidão no país. Vários comentaristas observaram que eles planejavam e trabalhavam com um comitê que estava sempre reunido em 'conselhos de gabinete' em suas residências pata discutir o que precisava ser consertado e estratégias que poderiam usar para alcançar seus objetivos.

Neste grupo, discutiam os erros e as injustiças de seu país, e as batalhas que teriam de travar para estabelecer a justiça.

Os membros do Grupo de Clapham demonstraram a diferença que um grupo de cristãos pode fazer. Eles elaboraram 12 marcas que nortearam seu esforço pela reforma social na Inglaterra do século 19:

1. Estabeleça objetivos claros e específicos.
2. Pesquise cuidadosamente para produzir uma proposta realista e irrefutável.
3. Construa uma comunidade comprometida que apóie uns aos outros. A batalha não pode ser vencida sozinha.
4. Não aceite retiradas como uma derrota final.
5. Comprometa-se a lutar de forma contínua, mesmo que a luta demore décadas.
6. Mantenha o foco nas questões; não permita que os ataques malignos de oponentes o distraiam ou provoquem resposta similar.
7. Demonstre empatia com a posição do oponente, de forma que diálogo significativo aconteça.
8. Aceite ganhos parciais quando tudo o que é desejado não puder ser obtido de uma só vez.
9. Cultive e apóie suas bases populares quando outros, que estiverem no poder, se opuserem a seus projetos.
10. Transcenda à mentalidade simplista e direcione-se às questões maiores, principalmente as que envolvem questões éticas!
11. Trabalhe através de canais reconhecidos, sem lançar mão de táticas sujas ou violentas.
12. Prossiga com senso de missão e convicção de que Deus o guiará providencialmente se estiver verdadeiramente a seu serviço.

Em 1797, Wilberforce publicou um livro intitulado Practical View of Real Christianity [Panorama prático do cristianismo verdadeiro], amplamente lido e ainda publicado, que evidenciava o interesse evangélico na redenção como a única força regeneradora, na justificação pela graça por meio da fé e na leitura da Escritura em dependência ao Espírito Santo, ou seja, numa piedade prática que redundasse em serviço relevante para a sociedade. Nessa obra, ele disse sobre o cristianismo verdadeiro:
Eu compreendo que a marca prática e essencial dos verdadeiros cristãos é a seguinte: que os pecadores arrependidos, confiando na promessa de serem aceitos [por Deus], mediante o Redentor, têm renunciado e abjurado todos os outros senhores, e têm de maneira integral se devotado a Deus. Agora, seu propósito determinado é se dedicar integralmente ao justo serviço do legítimo Soberano. Eles não mais pertencem a si mesmos: todas as faculdades físicas e mentais, sua herança, sua essência, sua autoridade, seu tempo, sua influência, tudo o que desconsideram como sendo seus [...] devem ser consagrados em honra a Deus e empregados a seu serviço.
E sobre o poder e o direito:
Eu devo confessar [...] que minhas próprias [e sólidas] esperanças pelo bem-estar do meu país não depende de seus navios e exércitos, nem da sabedoria de seus governantes, ou ainda do espírito de seu povo, mas sim da [capacidade de] persuasão de todos aqueles que amam e obedecem ao evangelho de Cristo.
NO TEMPO DE DEUS
Wilberforce e seus amigos do Grupo de Clapham também ajudaram a fundar escolas cristãs para os pobres, a reformar as prisões, a combater a pornografia, a realizar missões cristãs no estrangeiro e a batalhar pela liberdade religiosa. Mas Wilberforce acabou por se tornar mais conhecido por seu compromisso incansável pela abolição de escravidão e do comércio de escravos.

Sua luta começou por volta de 1787 - ele já era parlamentar desde 1780. Haviam pedido a Wilberforce que propusesse a abolição do comércio de escravos, embora quase todos os ingleses achassem a escravidão necessária, ainda que desagradável, e que a ruína econômica certamente viria ao acabar com a escravidão. Apenas uns poucos achavam o comércio de escravos errado. A pesquisa de Wilberforce o pressionou até conclusões dolorosamente claras. "Tão enorme, tão terrível, tão irremediável aparentou a maldade desse comércio que minha mente ficou inteiramente decidida em favor da abolição", disse ele à Casa dos Comuns: "Sejam quais forem as conseqüências, deste momento em diante estou resolvido que não descansarei até efetuar sua abolição." Wilberforce falou primeiramente sobre o comércio de escravos na Casa de Câmara dos Comuns em 1788, num discurso de três horas e meia, que concluiu dizendo: "Senhor, quando nós pensamos na eternidade e em suas futuras conseqüências sobre toda conduta humana, se existe esta vida, o que esta fará a qualquer homem que contradisser as ordens de sua consciência e os princípios da justiça e da lei de Deus!". Sua luta custou-lhe dezoito anos de trabalho incansável.

Os feitos de Wilberforce foram realizados em meio a tremendos desafios. Ele era um homem de constituição fraca e com uma fé desprezada. Quanto à tarefa, enquanto a prática da escravatura era quase universalmente aceita, o comércio de escravos era tão importante para a economia do Império Britânico quanto é a indústria de armamentos para os Estados Unidos hoje. Quanto à sua oposição, incluía poderosos interesses mercantis e coloniais e personalidades como o famoso Almirante Horacio Nelson e a maior parte da família real. E quanto à sua perseverança, Wilberforce continuou incansavelmente, anos a fio, antes de alcançar seu alvo. Sempre desprezado, ele foi duas vezes assaltado e surrado. Certa vez, um amigo lhe escreveu, dizendo-lhe que, do jeito que as coisas andavam, "eu espero ouvir dizer que foste carbonizado por algum dono de fazenda das Índias Ocidentais, feito churrasco por mercadores africanos e comido por capitães da Guiné, mas não desanime - eu escreverei o seu epitáfio!"
O Parlamento "The House of Commons" nos dia de Wilberforce por Augustus Pugin e Thomas Rowlandson (1808–11)

O comércio de escravos foi finalmente abolido em 25 de março de 1806. Quando a lei foi aprovada, todo o Parlamento se pôs de pé e aplaudiu Wilberforce por vários minutos, enquanto ele, já desgastado pelos anos, chorava com o rosto entre as mãos.

Ele continuou a campanha contra a escravidão em todos os territórios britânicos, e o voto crucial da famosa Lei de Emancipação chegou quatro dias antes de sua morte, em 29 de julho de 1833.

Por conta da decisão parlamentar, poderosa como era e não querendo ser lesada em seus interesses, a Grã-Bretanha declarou ao mundo que nem ela nem ninguém mais poderia traficar escravos. Além disso, tornou-se a guardiã dos mares. Logo, Portugal e Bélgica, as duas nações rivais, tiveram também de parar com o tráfico, por força do poderio naval inglês.

Um ano depois da morte de Wilberforce, em julho de 1834, 800 mil escravos, principalmente na Índia Ocidental britânica, foram libertos. Em pouco tempo, a maior parte dos países ocidentais aboliria a escravidão em definitivo.

APLICAÇÃO
A vida de William Wilberforce é uma inspiração para todo cristão. A sua conversão genuína e o desdobramento desta fé no seu cotidiano o levou a uma decisão importante, entre ser pastor ou usar seus talentos e dons para promover profundas mudanças estruturais na sociedade britânica para a glória de Deus.

Wilberforce viveu de forma coerente com suas convicções e consciência, sempre as submetendo ao crivo da Palavra de Deus. Ele rompeu com o pensamento perverso de sua geração sobre a escravidão e lutou em prol da justiça e a promoção do reino de Deus. Com perseverança e ligado a Cristo, William mostrou que não há espaço para conformismo e omissão na vida cristã, nos lembrando das palavras do apóstolo Paulo: “E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido” (Gl 6:9) e insistiu novamente aos cristão de Tessalônica: “irmãos, nunca se cansem de fazer o bem” (II Ts 3:13).

MATERIAL UTILIZADO

• CLOUSE, Robert; PIERARD, Richard; YAMAUCHI, Edwin. Dois reinos: a igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 413-20.
• GUINNESS, Os. O chamado. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 35-43. KERR NETO, Guilherme. O inglês que acabou com o tráfico negreiro.
• Ultimato, n.º 245, mar./1997, p. 28.
• NOIL, Mark. Momentos decisivos na história do cristianismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 256-81.
• SHAW, Mark. Lições de mestre: 10 insights para a edificação da igreja local. São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p. 203-24.
• SHELLEY, Bruce L. História do cristianismo ao alcance de todos. São Paulo: Shedd, 2004, p. 407-16.
• WESTPHAL, Euler. A ética social na teologia de John Wesley. Vox Scripturae, 7/2, dez./1997, p. 83-97.

Aula organizada a partir do artigo “William Wilberforce: "Todos vós sois um em Cristo Jesus"” de direitos autorais de RENAS - Rede Evangélica Nacional de Ação Social.
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